8 de set. de 2015

D. Penal - Lei Penal no Tempo

Lei Penal no Tempo

Princípio da extra-atividade

Art. 5°, XL CF: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu

Art. 2° CP: ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único: a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

O estudo da lei penal no tempo é regido pelo princípio da extra-atividade. Princípio este que capacita a lei penal se movimentar no tempo. Qual a condição que possibilita tal movimento? A única condição da lei trazer benefício para o réu ou condenado.

Há duas possibilidades que faz com a que a lei se movimente no tempo, estabelecendo-se assim a extra-atividade: 

a) A possibilidade da retroatividade, que, como explica Greco (2015, p. 159), é a possibilidade conferida à lei penal de retroagir no tempo, a fim de regular os fatos ocorridos anteriormente a sua entrada em vigor. A lei retroage, 'volta ao passado', apenas em benefício do réu (lex mitior). Se o agente praticou uma conduta criminosa antes da lei entrar em vigor, essa lei de vigência posterior à conduta do agente não pode lhe alcançar ao menos que seja para lhe beneficiar. Isso está consagrado no inciso XL do art. 5° da Constituição, assim descrito: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Ou seja, quando a Constituição diz 'salvo' para beneficiar o réu, entende-se que a regra é da irretroatividade (irretroatividade in pejus, não retroage para prejudicar), a exceção a essa regra é a retroatividade (retroatividade in mellius, retroage para beneficiar réu).

b) E a outra possibilidade da lei se movimentar no tempo é a ultra-atividade, que é quando a lei, nas palavras de Greco (2015, p. 159), mesmo depois de revogada, continua a regular os fatos ocorridos durante sua vigência.

Então, ligado a esse princípio da extra-atividade decorrem-se 3 outros princípios fundamentais: o princípio da irretroatividade, da retroatividade e da ultra-atividade.

- Princípio da irretroatividade mais severa (in pejus): é a regra. Não retroage (Ex Nunc).
- Princípio da retroatividade mais benéfica (in mellius): é a exceção. Apenas retroage (Ex Tunc) para benefício do réu.
- Princípio da ultra-atividade: lei revogada alcança o réu ou condenado em seus efeitos. Para a ultra-atividade não existe ex nunc ou ex tunc. Mais abaixo será explicado sobre tal princípio.

*2 - Hipóteses de conflitos de leis penais no tempo

O princípio da extra-atividade apenas tem incidência quando houver hipóteses de sucessão de leis no tempo, pois, como afirma Greco (2015, p. 157), quando não houver o confronto de leis que se sucederam no tempo, disputando o tratamento de determinado fato, não se poderá falar em extra-atividade. Ou seja, como critério para a presença do princípio da extra-atividade tem que haver confronto de sucessão de leis penais no tempo. Não confundir as hipóteses de tais conflitos/confrontos com antinomia. Fala-se em antinomia quando se fala em solução de conflito aparente de normas através dos princípios da especialidade, subsidiariedade, consunção e alternatividade. A antinomia, o conflito aparente de normas, como assevera Noronha (1991, p. 269) ocorre quando duas ou mais leis ou dispositivos legais a respeito de determinado fato se apresentam como aplicáveis, devendo decidir-se se uma admite a aplicação da outra ou a exclui. A extra-atividade não surge para resolver conflito aparente de normas, mas é a possibilidade de determinada lei penal se movimentar no tempo pelo fato de ter havido uma sucessão de leis, ou seja, uma lei nova que entrou no lugar de outra.

2.1 Novatio Legis in Mellius: Ex Tunc

Na novatio legis in mellius a nova lei melhora a situação do meliante. Na precisa lição de Greco (2015, p. 160): A novatio legis in mellius será sempre retroativa, sendo aplicada aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, ainda que tenham sido decididos por sentença condenatória já transitada em julgado.

Assim está versado o parágrafo único do art. 2° do CP: a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Ao analisar tal parágrafo entende-se que qualquer que seja as hipóteses de favorecimento do agente, a lei posterior irá retroagir para beneficiá-lo, mesmo que tenha havido sentença condenatória transitada em julgado. Qualquer que seja as hipóteses, como exemplifica Noronha (1991, p. 76): circunstâncias novas atenuantes, causas extintivas de punibilidade até então desconhecidas, novos benefícios  como o sursis e o livramento condicional, causas de exclusão de antijuridicidade introduzidas, penas menos rigorosas etc (…) abrange todas as hipóteses possíveis de benefícios, todas as situações que sejam mais benignas (…).

*2.2 Abolitio Criminis (art. 2° CP): Ex Tunc

Abolitio criminis é quando uma lei nova vem para abolir o crime. Nas palavras de Greco (2015, p. 162): quando o legislador (…) resolve não mais continuar a incriminar determinada conduta, retirando do ordenamento jurídico-penal a infração que a previa (…). O Estado abre mão de seu ius puniendi e, por conseguinte, declara a extinção da punibilidade (art. 107, III do CP) de todos os fatos ocorridos anteriormente à edição da lei nova (…) A extinção da punibilidade pode ocorrer nas fases policial e judicial (…) e faz cessar todos os efeitos penais da sentença condenatória, permanecendo, contudo, seus efeitos civis.

O art. 2° do Código Penal assim está redigido: ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. O art. 2° deve ser aplicado em benefício do réu mesmo que tenha havido sentença transitado em julgado, portanto, como explica Noronha (1991, p. 75), mesmo que o réu estivesse cumprindo pena, deveria ser posto em liberdade, pois a lei posterior deixou de considerar delito o fato por ele praticado.

O art. 2° do Código Penal causa a abolição de crime (que era configurado como crime por outra lei anterior) quando lei nova posterior deixa de considerá-lo crime, mas os efeitos civis ao condenado ou réu permanecerão.

Em conclusão: a lei penal retroage, a despeito da coisa julgada, nas hipóteses da abolitio criminis (art. 2°) e da novatio legis in mellius (art. 2°, parágrafo único) (NORONHA, 1991, p. 76).

2.3 Novatio Legis Incriminadora: Ex Nunc

É uma nova lei que tipifica como crime uma conduta que antes não era considerada crime. Contudo, a aplicação da novatio legis incriminadora não irá alcançar os fatos decorridos anteriormente à sua vigência. Um exemplo é a lei seca. Nunca retroage, é Ex Nunc.

2.4 Novatio Legis in Pejus: Ex Nunc

Quando uma nova lei piora a situação do agente. É diferente da novatio legis incriminadora, pois esta configura crime conduta que antes da sua entrada em vigor não era considerada crime, enquanto que na novatio legis in pejus haverá novos dispositivos em uma lei já existente que piora a situação do agente, tais dispositivos podem ser, como leciona Greco (2015, p. 160), ampliando o rol das circunstâncias agravantes, criando causas de aumento de pena, aumentando o prazo de prescrição (…) etc. Mas o réu ou condenado que praticou conduta criminosa antes da novatio legis in pejus entrar em vigor, não será alcançado por ela, pois lhe acarretaria prejuízos e a lei nunca retroage para causar prejuízo (regra), só retroage para beneficiar (exceção). A novatio legis in pejus é irretroativa. Ex nunc. Exemplo é a Lei Anti-Drogas.

*3 – Leis Temporárias e Leis Excepcionais
        Obs: princípio da ultra-atividade

Situam-se no art. 3° do Código Penal:

Art. 3°: A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

A lei excepcional e a temporária não se beneficiam da retroatividade e nem da irretroatividade. Na irretroatividade a lei nova contém elementos que prejudicam o réu ou condenado, portanto não retroage. A retroatividade é quando a lei nova retroage para o benefício do réu, pois há ali dispositivos que o beneficiam. Não existem para as leis excepcionais e temporárias o ex nunc ou ex tunc, porque para elas não há retroatividade (ex tunc) ou irretroatividade (ex nunc). Elas são regidas pelo princípio da ultra-atividade. Ultra-atividade é uma espécie também de extra-atividade e como explica Greco (2015, p. 159), fala-se em ultra-atividade quando a lei, mesmo depois de revogada, continua a regular os fatos ocorridos durante sua vigência. E reitera Noronha (2015) que as leis temporárias e excepcionais aplicam-se ao fato praticado durante a vigência, mesmo após a cessação da vigência, consagrando a ultra-atividade.

A extra-atividade é a possibilidade que a lei tem de se movimentar no tempo, e a lei terá essa dinâmica quando observadas as incidências da retroatividade ou da ultra-atividade. Na irretroatividade a lei não se movimenta no tempo, mas ainda permanece dentro do contexto do princípio da extra-atividade, pois à medida que forem surgindo as leis, faremos as comparações entre elas, com a finalidade de ser escolhida e aplicada aquela que melhor atenda aos interesses do agente (GRECO, 2015, p. 165). Se a lei conter elementos que beneficiem o agente, será retroativa; se há elementos que lhe prejudique será irretroativa e se a lei anterior for considerada mais favorável, gozará dos efeitos da ultra-atividade (GRECO, 2015, p. 165). Quando se fala em leis temporárias e excepcionais pode-se falar em ultra-atividade.

A lei temporária possui um tempo preestabelecido, predeterminado, prefixado de existência em seu texto, com data de início e fim de sua vigência. O Código Penal se refere às leis temporárias quando vem em seu texto “decorrido o período de sua duração” (NORONHA, 1991).

A lei excepcional é a que vige enquanto duram as circunstâncias que a determinaram: guerra, comoção intestina, epidemia etc. A esta o Código alude com a expressão “cessadas as circunstâncias que a determinaram” (NORONHA, 1991, p. 78)

Se o agente violar a prescrição contida nas leis temporárias e excepcionais durante a vigência destas, ele responderá  e será penalizado pelo seu ato. Mesmo quando a vigência cessar, ele, o agente, ainda será responsabilizado pelos seus atos criminosos. A ultra-atividade é isso, a lei revogada tem efeitos futuros mesmo após a sua revogação, mas apenas para o réu ou condenado que praticou o delito enquanto a lei estava vigente. As leis temporárias e excepcionais são exemplos clássicos de ultra-atividade.

Se uma lei penal que não é temporária e nem excepcional revogar, o agente que praticou delito durante sua vigência será beneficiado pela exclusão da punibilidade, pois houve aí um abolitio criminis. Então, dentro desse contexto, a lei nova que a revogou retroagirá para o benefício do condenado ou réu, cessando a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Mas, aqui, está se falando de leis temporárias e excepcionais, que são criadas por tempo predeterminado e por circunstancias especiais. São leis perecíveis que hora ou outra sairão de cena, porém, para tais leis, excepcionalmente, os efeitos de seus dispositivos continuarão a ter eficácia ao réu ou condenado mesmo depois delas revogadas. As leis temporárias e excepcionais são, portanto, objetos do princípio da ultra-atividade.

Resumidamente: A lei temporária ou excepcional estão vigentes →  o agente pratica uma conduta contrária aos seus preceitos → ele será punido pela conduta → a vigência cessa, mas ainda continua mantendo a eficácia punitiva de quando era vigente → será o agente responsável por conduta criminosa mesmo após revogação da lei → configura-se o princípio da ultra-atividade.

A ultra-atividade não invoca o ex nunc ou ex tunc. Ex nunc é quando a lei nova posterior não retroage pois prejudicaria o réu ou condenado. Ex nunc aplica-se para a irretroatividade. O ex tunc é quando lei nova posterior beneficia o condenado ou réu e a lei então retroage. Ex tunc aplica-se para retroatividade.

Na ultra-atividade, a lei anterior revogada manterá efeitos futuros para os mesmos agentes que praticaram delito enquanto tal lei estava vigente.

As leis excepcionais e temporárias apenas aplicam-se a fatos que decorrem enquanto estão vigentes, sem a possibilidade destas leis retroagiram para alcançar fatos que aconteceram anteriores à sua vigência. Então não há que se falar em retroatividade da lei ou irretroatividade. Mas fala-se em ultra-atividade, pois essas leis, mesmo depois de revogadas, cessadas a vigência, mantém sua eficácia àqueles agentes que praticaram conduta criminosa enquanto a lei estava em vigor. A incidência da ultra-atividade cabe perfeitamente para com as leis temporárias e excepcionais.

*4 – Tempo do Crime

Art. 4° CP: Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Há 3 teorias que orquestram o tempo do crime, mas o Código Penal brasileiro adota apenas uma. A teoria do resultado, que como o próprio nome diz, o tempo do crime será determinado quando da ocorrência do resultado; a teoria da ubiquidade, no qual determina que o tempo do crime pode ser o momento da ação ou omissão do agente, bem como quando for gerado o resultado; e a teoria da atividade, que versa que o tempo do crime é o exato momento da ação ou omissão delituosa. Esta última o Direito Penal brasileiro adotou.

Para o Código Penal, em seu art. 4°, está explícito que o tempo do crime é o praticado no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Consagra-se, expressamente, a teoria da atividade, aquele momento que o agente agiu criminosamente, não importando se o resultado do crime venha a ser concretizado tempo depois da conduta. No Brasil, o tempo do crime é regido pela teoria da atividade.

Importa saber o tempo do crime, pois este será a referência precisa para a aplicação ou não de leis penais ao fato criminoso e para as hipóteses de sucessão de leis no tempo. Reiterando, o tempo do crime para o direito penal brasileiro é aquele praticado no momento da conduta, adotou-se, assim, a teoria da atividade. Destaca Greco (2015, p. 158), o momento da conduta, comissiva ou omissiva, será, portanto, o marco inicial para todo tipo de raciocínio que se queira fazer em sede de extra-atividade da lei penal (…) a escolha de tal teoria determina, por exemplo, a aplicação, ou não, da lei penal em certas situações, ou a opção pela lei mais benigna dentre aquelas que se sucederam no tempo.

5 - Lei Penal no Espaço
   
Lugar do Crime

Art. 6°: considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

Torna-se claro ao analisar o art. 6° do Código Penal que é considerado o lugar do crime o lugar em que ocorreu a ação ou omissão ou onde acarretou o resultado. O lugar do crime para o direito penal brasileiro torna-se então regido pela teoria da ubiquidade, que, como leciona Noronha (1991, p. 83), tem por lugar do delito aquele em que for realizado qualquer um de seus elementos integrantes, seja o da execução, seja o do momento consumativo (…). O agente que praticar uma conduta delituosa irá responder no lugar da execução do crime ou no lugar do resultado deste.

Há também outras duas teorias que o lugar do crime é objeto, a teoria do resultado (onde houve a ocorrência da consumação) e a teoria da atividade (onde foi o lugar da ação ou omissão delituosa, mesmo que o resultado fosse em um outro lugar).  A teoria da ubiquidade, a adotada pelo Código Penal brasileiro, abrange as duas outras teorias para o lugar do crime. (GRECO, 2015)

Para o Código Penal brasileiro:
Tempo do crime: teoria da atividade → o exato momento da ação ou omissão do agente.

Lugar do crime: teoria da ubiquidade → onde o crime foi praticado, bem como onde foi seu resultado.

Referências:

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. 

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva. 1991

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