5 de mar. de 2016

TGP - Jurisdição, Processo, Procedimento e Ação

Introdução
Foi dito em outra postagem que Direito Material é aquele que cuida de estabelecer as normas que regulam as relações jurídicas entre pessoas. (THEODORO JR. 2010, p. 02). O Estado cria determinadas normas para regular, no sentido de orientar, as interações entre os indivíduos na coletividade. Essas orientações são os direitos e deveres estatuídos nos Códigos que permitem que a sociedade se estruture de forma pacífica e organizada, e permita a satisfação ao bem-comum. O Estado é o vigia, o olheiro onipresente das ações humanas, que ao mesmo tempo que patrulha o comportamento das pessoas, tem personificado constantemente o papel de guardião do bem-comum e dos direitos dos cidadãos, trazendo também para si o papel de curador de problemas. Em um corpo social, os indivíduos possuem diferentes perfis com distintas inclinações, tendências, aptidões, traços de personalidade e caráter e por isso nem todas as relações são harmônicas e pacíficas. Conflitos emergem diariamente de uma forma ou outra e muitos desses conflitos contradizem a letra da lei perturbando paz social. Então, como ensina Theorodo Jr, cabe ao Estado a adoção de medidas de coação para que não venha seu ordenamento transformar-se em letra morta e desacreditada. (2010, p. 41). Ou seja, o Estado possui o poder, a função e a autoridade de intervir nas situações e exercer o comando que faz com que a lei seja cumprida, caso contrário, sanções serão definidas. 

Justiça Privada x Justiça Pública 
A justiça pública é a justiça oficial do Estado, aquela vinculada ao Estado, a justiça aplicada aos casos concretos pelos magistrados. 

A justiça privada é a autotutela, aquela que os próprios indivíduos criam a fim de resolverem seus problemas nas interações com outras pessoas. É aquela que se ignora a gerência do Estado e o sujeito busca fazer justiça com as próprias mãos. Foi muito comum no passado quando o Estado não representava a autoridade que hoje exerce. Em alguns tipos de situações ainda é permitido a justiça privada. Nas palavras de Theodoro Jr. (2010, p. 42): somente em casos emergenciais, expressamente ressalvados pelo legislador, é que subsistiram alguns resquícios da justiça privada, capazes de legitimar, ainda hoje, a defesa dos direitos subjetivos pelas próprias mãos da parte, como se dá com a legítima defesa (...) com a apreensão do objeto do penhor legal (...) e com o desforço imediato no esbulho possessório. 

Jurisdição 
No conceito de Thedoro Jr.: jurisdição é a função do Estado de declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida. (2010, p. 43)

No conceito de Nucci: é o poder atribuído, constitucionalmente, ao Estado para aplicar a lei ao caso concreto, compondo litígios e resolvendo conflitos. (...) Todo juiz, investido na sua função, possui jurisdição, que é a atribuição de compor os conflitos emergentes na sociedade, valendo-se da força estatal para fazer cumprir a decisão compulsoriamente. (2015, p. 203, 204)

Assim, jurisdição é o prestígio legal - delegado pelo Estado - que o juiz possui como propriedade, como natureza, como essência de seu papel de julgador, é sua autoridade de resolver litígios ao aplicar a tais determinada regra jurídica. 

Theodoro Jr. diz que é importante compreender o conceito de lide para que se possa também entender a atividade jurisdicional, porque nem todo conflito de interesses interessam ao Estado e, logo, os tentáculos jurisdicionais não os alcançariam. 

Carnelutti, citado por Theodoro Jr. (2010, p. 42), assim classifica lide: um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida

Na interação entre duas pessoas, por exemplo, conflitos podem surgir. Uma parte tem determinada pretensão. Ela aspira, deseja, reclama por algo que é o objeto material do conflito. Aqui, a pretensão seria o interesse de fazer com que o outro se submeta à sua vontade, ao seu capricho. A outra parte, por sua vez, pode não se curvar, resistir, não se render à pretensão, à aspiração, ao desejo do outro. Os interesses se chocam por causa de posições antagônicas das partes com relação ao objeto protagonista do conflito. Resiste-se, convictamente, à pretensão, ao desejo manifestado pelo outro. Se for uma situação que a(s) parte(s) invoque a presença do Estado, pois não solucionaram entre si a controversa, estabelece-se um litígio, uma lide. O juiz, com seu poder jurisdicional inerente ao seu papel, resolverá a situação ao aplicar a lei a tal caso. 

Quando há o conflito de interesses onde uma parte cede, sucumbe, à pretensão da outra, a lide, pois, não se configura.

Características da Jurisdição
- Secundária: diz-se que é atividade 'secundária' porque através dela, o Estado realiza coativamente uma atividade que deveria ter sido primeiramente exercida, de maneira pacífica e espontânea, pelos próprios sujeitos da relação jurídica submetida à decisão. Calamandrei (1945, p. 20 apud THEODORO JR. 2010, p. 44). As partes deveriam resolver suas próprias situações de forma harmônica, isso antes de chegar ao ambiente judiciário. O caráter secundário da jurisdição consiste nessa ideia. 

- Instrumental: a jurisdição é a ferramenta, o recurso, a via, o meio pelo qual as partes resolverão suas lides. 

- Declaratória: "ela declara a vontade da norma no caso concreto".

- Executória: "executa as decisões".

- Desinteressada: "a jurisdição não se importa diretamente com o objeto da lide que está sendo discutido, mas com a resolução do conflito". 

- Provocada: apenas se manifesta se provocada. Lembrar do princípio do dispositivo.

Princípios da Jurisdição
- Princípio do juiz natural: só pode exercer a jurisdição aquele órgão a que a Constituição atribui o poder jurisdicional. (...) Não é dado ao legislador ordinário criar juízes ou tribunais de exceção, para julgamentos de certas causas (...) Theodoro Jr. (2010, p. 46). Juízo de exceção é aquele especialmente criado e direcionado para julgar determinado caso concreto. Os casos são distribuídos nos tribunais de forma legal, respeitado os ritos processuais. 

- Princípio da jurisdição improrrogável: os limites do poder jurisdicional (...) são os traçados pela Constituição. Não é permitido ao legislador ordinário alterá-los (...). Theodoro Jr. (2010, p. 46). "

- Princípio da jurisdição indeclinável: o magistrado tem a "obrigação de prestar a tutela jurisdicional e não a simples faculdade. Não pode recursa-se a ela, quando legitimamente provocado, nem pode delegar a outros órgãos o seu exercício". Theodoro Jr. (2010, p. 46). "É a impossibilidade do magistrado, ao receber a demanda, de declinar o julgamento sem motivo. Sendo competente, ele é obrigado a proferir a decisão". 

Substitutivos da Jurisdição
São os outros meios, que não a jurisdição, de solucionar conflitos. Transação, conciliação e juiz arbitral. 

"A transação é um acordo entre as partes que é feito fora da audiência. Pode ser antes ou durante o processo. As partes juntam os termos da transação e pedem a homologação do juiz. Se o acordo for enquanto na audiência, na presença do juiz, ou do conciliador, ou do juiz leigo, será chamada de conciliação. O juiz arbitral, o árbitro, é alguém não integrante do poder judiciário que assume a obrigação de sentenciar resolvendo aquela lide. Apenas pode ser resolvido bens disponíveis, geralmente questões patrimoniais e comerciais. Caso haja descumprimento, pode recorrer ao judiciário para que o juiz togado mande executar a decisão do árbitro. O magistrado não pode mudar a decisão do juiz arbitral, salvo se houver vícios etc. na sentença". 

Processo
Os órgãos jurisdicionais não podem atuar de forma discricionária, eles são submetidos a seguir um método, uma metodologia sistemática, uma ordem previamente organizada, essa ordenação é o processo. "Estes órgãos encarregados da jurisdição não podem atuar de forma discricionária ou livremente (...). Subordinam-se a um método ou sistema de atuação, que vem a ser o processo".  Theodoro Jr. (2008, p. 54). 

"Processo é um novelo de atos complexos em que a parte irá resolver a sua lide junto a jurisdição. É por isso que processo é a certeza de meios, porém a incerteza de resultados". 

Autos Processuais
"Os autos funcionam como a parte materializada do processo: autos virtuais (processos digitalizados) e autos físicos". 

Espécies de Processo (Cognição, execução, cautelar)
"Para solucionar os litígios, o Estado põe à disposição das partes três espécies de tutela jurisdicional: a cognição, a execução e a cautela". Theodoro (2008, p. 333)

"Se há uma pretensão jurídica contestada, compõe-se o litígio declarando a vontade concreta da lei  através do processo de cognição ou de conhecimento. Quando, porém, há certeza prévia do direito do credor e a lide se resume na insatisfação do crédito , o processo limita-se a tomar conhecimento liminar da existência do título do credor, para, em seguida, utilizar a coação estatal sobre o patrimônio do devedor, e, independentemente da vontade deste, realizar a prestação a que tem direito o primeiro. Trata-se do processo de execução. Outras vezes, o processo é utilizado, não para uma solução definitiva da controvérsia estabelecida em torno da relação jurídica material que envolve as partes, mas apenas para prevenir, em caráter emergencial e provisório, a situação da lide contra as alterações de fato ou de direito que possam ocorrer antes que a solução de mérito seja prestada pela Justiça, Surge, então, o processo cautelar".  Theodoro Jr. (2008, p. 58). 

- Execução: "é uma espécie de processo utilizada quando a parte exequente possui um título. O título pode ser judicial ou extra-judicial. A sentença é um título executivo judicial. Títulos executivos extra-judiciais são cheques, nota promissória, letra de câmbio, confissão de título assinada por duas testemunhas, etc. Observa-se que na execução a parte autora pula todas as fases do processo. São dispensadas as audiências de conciliação e de instrução. O primeiro despacho da execução é pague". Ex: Fulano é credor de Ciclano e tem um título emitido por este. Busca o pagamento do título pela ação de execução.  

- Cautelar: "essa ação no código de 1973 era tida como um processo separado do processo principal. Ela serve para resguardar um direito que será discutido em uma ação principal. Em regra, na cautelar, o direito é resguardado, e não utilizado". O advogado pede algo para evitar um dano futuro do seu cliente, o juiz concede antes da sentença final.  

- Cognição: "neste caso, as partes irão levar ao juiz a sua demanda, mas ainda não está definido nenhum título. Ela é utilizada quando não se pode utilizar a execução, nem a cautelar. Em regra, tudo se trata de cognição". O judiciário será provocado, haverá a instauração de um processo e o juiz decidirá quem está certo. Ex: reparar danos; dissolução de sociedades. 

"Cautelar é uma ação que visa resguardar um direito final. Segura o bem para ser discutido em um processo principal. Ex: cautelar de sequestro de bens. A cognição é tudo o que não é cautelar  e nem execução. Ex: pensão; indenização". 

Tutela diferenciada
"Não é um processo, mas uma forma diferente de deferir o objeto da tutela final através da antecipação dos efeitos da tutela". 

Tutela: é aquilo que é buscado ao final do processo. Ex: na indenização, a tutela é o objeto danos morais (o dinheiro). É o bem jurídico protegido pelo judiciário. 
Antecipação de Tutela: liminar é a antecipação de tutela sem ouvir a parte contrária. Não é possível uma liminar depois de ouvir a parte contrária. Liminar é quando se defere uma tutela de forma antecipada, mas sem ouvir a outra parte. A liminar está dentro da ação cautelar e da ação de cognição, ou seja, pode-se ter liminar em tudo. 

Procedimento
"Entre o pedido da parte e o provimento jurisdicional se impõe a prática de uma série de atos que formam o procedimento judicial (isto é, a forma de agir em juízo), e cujo conteúdo sistemático é o processo. (...) O modo próprio de desenvolver-se o processo, conforme as exigências de cada caso, é exatamente o procedimento do feito, isto é, o seu rito". Theodoro Jr. (2008, p. 54, 55). Ainda como  autor, "é o procedimento que, nos diferentes tipos de demanda, define e ordena os diversos atos processuais necessários". Processo é o sistema disposto, procedimento é os entes desse sistema que o fazem operar de forma ordenada, sistemática. 


"Procedimento é o rito, o curso, o caminho, a forma e, às vezes, a velocidade em que se desenvolve o processo". 

Procedimento é "o modo e a forma por que se movem os atos no processo". Theodoro Jr. (2008, p. 334)

Procedimentos no processo de cognição
No processo de conhecimento (cognição), são observados os procedimentos especiais e o procedimento comum.  

- Procedimento especial: é aquele que tem um rito próprio ou específico. "Refere-se aos processos que tenham  objetos específicos, exemplo: inventário, curatela, interdição, reintegração de posse e todos aqueles discutidos no Código". Ensina Theodoro Jr. que entre os procedimentos especiais merecem ser lembrados os dos Juizados Especiais (...) que pressupõem órgãos específicos  instituídos pela organização judiciária local para se ocupar das causas cíveis de menos complexidade. (...) Pode ser qualificado como procedimento sumaríssimo o observado pelos Juizados Especiais. (2008, p. 334)

- Procedimento comum: quando a lei processual não estabelece um rito próprio ou específico, aplica-se, portanto, o procedimento comum.  "No Código de 1973 é subdividido em comum ordinário e comum sumário (este não mais existe pelo novo Código). Estava no art. 275 que falava das ações até 60 salários mínimos. O sumário era aplicado, de acordo com Theodoro Jr. "a certas causas em razão do valor ou da matéria (art. 275)". (2008, p. 334). O ordinário é utilizado até hoje de forma residual, ou seja, quando não for execução, especial ou sumário, será ordinário". 

Ação
É o poder que a parte tem de reivindicar ou ter tutelado um direito seu perante o Poder Judiciário, ou seja, a parte tem o direito constitucional de ingressar na Justiça (quando preenchidos alguns requisitos) e exigir dela a sua prestação jurisdicional. Isso se dá através da ação. "A parte, frente ao Estado-juiz, dispõe de um poder jurídico, que consiste na faculdade de obter a tutela para os próprios direitos ou interesses, quando lesados ou ameaçados, ou para obter a definição das situações jurídicas controvertidas. É o direito de ação (...). Theodoro Jr. (2008, p. 63). 

"Ação não é processo. A ação é um direito. Uma vez que preenchidos os requisitos de condições da ação e pressupostos processuais, a parte poderá submeter a sua causa ao Poder Judiciário". 

Condições da ação
Para que o direito de ação seja atendido pelo órgão jurisdicional não é apenas suficiente que a parte manifeste sua vontade perante a Justiça, é preciso a presença de pressupostos processuais e que preencha alguns requisitos previstos chamados de condições da ação. Assim explica Theodoro Jr.: "a existência da ação depende de alguns requisitos constitutivos que se chamam 'condições da ação', cuja ausência, de qualquer um deles, leva a 'carência de ação' e cujo exame deve ser feito, em cada caso concreto, preliminarmente à apreciação do mérito, em caráter prejudicial. (...) Tanto os pressupostos processuais como as condições da ação são exigências ou requisitos preliminares, cuja inobservância impede o juiz de ter cesso ao julgamento do mérito". (2008, 68, 69). 

São pressupostos processuais: capacidade das partes, capacidade postulatória, competência, citação válida, imparcialidade do magistrado, demanda regular. 

São três as condições da ação: a) possibilidade jurídica do pedido; b) interesse de agir; c) legitimidade das partes. 

a) possibilidade jurídica do pedido: pelo novo código, essa condição da ação não é mais exigida. 

b) interesse de agir: é a indicação do autor da ação que sem a presença do órgão jurisdicional sua pretensão pode não ser satisfeita pela outra parte (réu), ou seja, se o autor da ação não recorrer à Justiça ele sofrerá algum tipo de prejuízo. "Interesse de agir é a mesma coisa que interesse processual. Está dividido em necessidade/utilidade e adequação. Necessidade: é necessário ingressar com a ação?; Utilidade: o processo me serve? É útil?; Adequação: o meio utilizado é adequado? Qual tipo de tutela jurisdicional se adéqua ao caso?". Theodoro Jr. leciona que o "interesse processual, em suma, exige a conjugação do binômio necessidade e adequação, cuja presença cumulativa é sempre indispensável para franquear à parte a obtenção da sentença de mérito. Assim, não se pode questionar, por exemplo, postular declaração de validade de um contrato se o demandado nunca a questionou (desnecessidade da tutela jurisdicional), nem pode o credor, mesmo legítimo, propor ação de execução, se o título de que dispõe não é um título executivo na definição da lei (inadequação do remédio processual eleito pela parte)".
Obs: importante assinalar que o interesse de agir não se confunde com o abandono do trâmite processual. Se a parte abandona a causa, ela deverá ser intimada para dar prosseguimento, não havendo interesse o processo será extinto. O processo foi iniciado, mas a parte não mais teve o interesse de levar adiante. O interesse de agir, como condição da ação, não está relacionado com o abandono do rito processual e sua exigência é invocada antes de se dar início ao processo. 

c) legitimidade das partes: partes são os sujeitos da relação processual (autor da ação e réu). Os personagens legítimos em uma ação judicial são os titulares da lide. Autor e réu (legitimidade ordinária). "É necessário que a parte esteja buscando direito próprio em seu nome, considerando que o Código proíbe a busca de direito alheio em nome próprio, salvo na legitimidade extraordinária (MP, sindicatos, associações)". Theodoro Jr. ensina que legitimação extraordinária "consiste em permite-se, em determinadas circunstâncias, que a parte demande em nome próprio, mas na defesa de interesse alheio, (...) por exemplo, com o Ministério Público na ação de acidente de trabalho, ou na ação civil de indenização do dano ex delicto, quando a vítima é pobre". (2008, p. 74)

Referências Bibliográficas:
Aulas em classe com professor de Teoria Geral do Processo (frases e parágrafos entre aspas)

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 12. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense. 2015.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2010

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