24 de mai. de 2018

OAB - 2017 - XXI - Segunda Fase - Direito Penal (Resposta à Acusação)

FGV - 2017 - OAB - Exame de Ordem Unificado - XXI - Segunda Fase - Direito Penal

(Aplicada em 22/01/2017)

Gabriela, nascida em 28/04/1990, terminou relacionamento amoroso com Patrick, não mais suportando as agressões físicas sofridas, sendo expulsa do imóvel em que residia com o companheiro em comunidade carente na cidade de Fortaleza, Ceará, juntamente com o filho do casal de apenas 02 anos. Sem ter familiares no Estado e nem outros conhecidos, passou a pernoitar com o filho em igrejas e outros locais de acesso público, alimentando-se a partir de ajudas recebidas de desconhecidos. Nessa época, Gabriela fez amizade com Maria, outra mulher em situação de rua que frequentava os mesmos espaços que ela.

No dia 24 de dezembro de 2010, não mais aguentando a situação e vendo o filho chorar e ficar doente em razão de ausência de alimentação, após não conseguir emprego ou ajuda, Gabriela decidiu ingressar em um grande supermercado da região, onde escondeu na roupa dois pacotes de macarrão, cujo valor totalizava R$18,00 (dezoito reais). Ocorre que a conduta de Gabriela foi percebida pelo fiscal de segurança, que a abordou no momento em que ela deixava o estabelecimento comercial sem pagar pelos bens, e apreendeu os dois produtos escondidos.

Em sede policial, Gabriela confirmou os fatos, reiterando a ausência de recursos financeiros e a situação de fome e risco físico de seu filho. Juntado à Folha de Antecedentes Criminais sem outras anotações, o lado de avaliação dos bens subtraídos confirmando o valor, e ouvidos os envolvidos, inclusive o fiscal de segurança e o gerente do supermercado, o auto de prisão em flagrante e o inquérito policial foram encaminhados ao Ministério Público, que ofereceu denúncia em face de Gabriela pela prática do crime do Art. 155, caput, c/c Art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, além de ter opinado pela liberdade da acusada.

O magistrado em atuação perante o juízo competente, no dia 18 de janeiro de 2011, recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público, concedeu liberdade provisória à acusada, deixando de converter o flagrante em preventiva, e determinou que fosse realizada a citação da denunciada. Contudo, foi concedida a liberdade para Gabriela antes de sua citação e, como ela não tinha endereço fixo, não foi localizada para ser citada.

No ano de 2015, Gabriela consegue um emprego e fica em melhores condições. Em razão disso, procura um advogado, esclarecendo que nada sabe sobre o prosseguimento da ação penal a que respondia. Disse, ainda que Maria, hoje residente na rua X, na época dos fatos também era moradora de rua e tinha conhecimento de suas dificuldades. Diante disso, em 16 de março de 2015, segunda-feira- sendo terça-feira dia útil em todo o país, Gabriela e o advogado compareceram ao cartório, onde são informados que o processo estava em seu regular prosseguimento desde 2011, sem qualquer suspensão, esperando a localização de Gabriela para citação.

Naquele mesmo momento, Gabriela foi citada, assim como intimada, junto ao seu advogado, para apresentação da medida cabível. Cabe destacar que a ré, acompanhada de seu patrono, já manifestou desinteresse em aceitar a proposta de suspensão condicional do processo oferecida pelo Ministério Público.

Considerando a situação narrada, apresente, na qualidade de advogado(a) de Gabriela, a peça jurídica cabível, diferente do habeas corpus, apresentando todas as teses jurídicas de direito material e processual pertinentes. A peça deverá ser datada no último dia do prazo (Valor: 5,0)

Obs: a peça deve abranger todos os fundamentos de Direito que possam ser utilizados para dar respaldo à pretensão. A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação.





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Modelo da peça:


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ... VARA CRIME DE FORTALEZA-CE

Processo n. ...

Gabriela, devidamente qualificada nos autos da ação em epígrafe, vem, muito respeitosamente diante de Vossa Excelência, através de seu advogado infrafirmado, com procuração em anexo, oferecer RESPOSTA À ACUSAÇÃO, com base nos arts. 396 ou 396-A do Código de Processo Penal, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos:

1. DOS FATOS

Narra a denúncia que no dia 24.12.2010 Gabriela, então com 20 anos de idade, ingressou em um grande supermercado da região e escondeu na roupa dois pacotes de macarrão, cujo valor totalizava R$ 18,00 (dezoito reais). Ocorre que a conduta de Gabriela foi percebida pelo fiscal de segurança, que a abordou no momento em que ela deixava o estabelecimento comercial sem pagar pelos bens, e apreendeu os dois produtos escondidos.

Em sede policial, Gabriela confirmou os fatos, reiterando a ausência de recursos financeiros e a situação de fome e risco físico de seu filho. Juntado à Folha de Antecedentes Criminais sem outras anotações, o laudo de avaliação dos bens subtraídos confirmando o valor.

Por tais razões, Gabriela foi denunciada pelo Ministério Público pela prática do crime do Art. 155, caput, c/c Art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 18.01.2011, entretanto, como ela não tinha endereço fixo, não foi localizada para ser citada, sendo que o processo prosseguiu regularmente sem suspensão esperando a localização de Gabriela para citação.

Gabriela compareceu no cartório no dia 16.03.2015, sendo consequentemente citada bem como intimada para o oferecimento da resposta à acusação.

2. DAS PRELIMINARES

a) Da prescrição

Narra a denúncia que o fato imputado para Gabriela foi praticado em 24.12.2010, sendo que nesta data Gabriela contava com 20 anos de idade, ou seja, menor de 21 anos de idade. O crime imputado à ré foi de furto simples, com pena máxima cominada em 04 anos. Nos moldes do art. 109, IV, do Código Penal, os crimes cujas penas máximas não excedem quatro anos prescrevem em 08 anos.

Ocorre que a ré à data do fato era menor de 21 anos de idade, e nas esteiras do art. 115 do Código Penal, o prazo prescricional é reduzido pela metade quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos. Desta forma, deve ser reconhecido que o crime imputado a Gabriela encontra-se prescrito, pois entre a data do recebimento da denúncia (18.01.2011) e a data em que ela foi citada (16.03.2015) transcorreu lapso temporal de mais de quatro anos, devendo ser declarada a extinção da sua punibilidade (art. 107, IV, do Código Penal).

Assim, verificada a extinção de punibilidade em decorrência da prescrição, com base no art. 397, IV, do Código de Processo Penal, deve o magistrado absolver sumariamente a ré.

3. DO MÉRITO

a) Do princípio da insignificância

Imperioso reconhecer que diante do valor dos bens subtraídos (dezoito reais) e do contexto do delito cometido há a ocorrência do princípio da insignificância na ação delituosa da ré. Os requisitos elencados pelo Supremo Tribunal Federal que fundamentam a aplicação do princípio da insignificância se encontram presentes na situação, quais sejam, ausência da periculosidade social da ação, mínima ofensividade da conduta do agente, ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica causada. Gabriela agiu motivada por não mais aguentar ver o filho chorar e ficar doente em razão da ausência de alimentação, o bem subtraído foi restituído ao estabelecimento comercial. Além do mais, dois pacotes de macarrão jamais ensejariam dano a uma grande rede de supermercado.

Sabe-se que a conduta da ré amolda-se ao tipo penal do furto, previsto no art. 155 do Código Penal. A tipicidade ramifica-se em formal e material. A tipicidade formal é aquela conduta que se subsume ao tipo penal. Gabriela subtraiu coisa alheia móvel, logo sua conduta é formalmente típica. A tipicidade material é quando há efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal, o que não se vislumbra na conduta de Gabriela. Assim, há de se reconhecer que sua conduta foi atípica, não houve infração penal, devendo ser absolvida sumariamente com base no art. 397, III do Código de Processo Penal.

b) Do estado de necessidade

Na conduta de Gabriela, há uma causa manifesta de exclusão de ilicitude, qual seja, o Estado de Necessidade (art. 23, I, do Código Penal). Dispõe o art. 24 do Código Penal que se considera em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

É de claridade cristalina que Gabriela não provocou por sua vontade a situação de fome e risco físico de seu filho, sendo que ela ao terminar o relacionamento amoroso com Patrick, por não mais suportar as agressões físicas sofridas, foi expulsa do imóvel que residia em comunidade carente. Ao ser expulsa com seu filho, que à época do fato tinha dois anos de idade, pernoitava em igrejas e outros locais de acesso público, alimentando-se a partir de ajudas recebidas de desconhecidos. Não possuía familiares no Estado nem outros conhecidos. Dessa forma, não tendo a quem recorrer para ajudá-la com alimentos e sem conseguir emprego, a sua situação se tornou de tal forma extrema que não era razoável exigir de Gabriela que sacrificasse a integridade física de seu filho a fim não causar lesão de ínfimo valor a uma grande rede de supermercado. Maria, sua amiga que também era moradora de rua, tinha todo o conhecimento de suas necessidades.

Assim, deve ser a ré ser absolvida com base no art. 397, I, do Código de Processo Penal.

5. PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requer:

a) absolvição sumária da ré com base no art. 397, IV, do Código de Processo Penal, em decorrência da prescrição.


b) absolvição sumária da ré com base no art. 397, III, do Código de Processo Penal, em decorrência do princípio da insignificância;

c) absolvição sumária da ré com base no art. 397, I, do Código de Processo Penal, em decorrência do estado de necessidade;

d) arrolamento e intimação da testemunha Maria.

Nestes termos,
Pede deferimento
Fortaleza-CE, 26 de março de 2015
Advogado 
Número da OAB.

ROL DE TESTEMUNHAS
1. Maria, residente na rua X

16 comentários:

  1. faltou a citação da prescrição! otima peça.

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  2. Perfeita sim. Tão perfeita que, possivelmente o examinando não teria tempo suficiente para discorrer com tantas informações minuciosamente detalhadas em sua peça e nas quatro questões na verdade se desdobram em oito questões.

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  3. Perfeita! Muito obrigada.

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  4. Eu estou amando os conteúdos da página!

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  5. Caberia também da nulidade do processo como preliminar? Pela violação do art. 366

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    1. O que diz o art. 366, do CPP: Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o Juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

      O ato do juiz não suspender o processo e consequentemente o curso da prescrição foi, de fato, benéfico à susposta autora do furto. Então não cabe a preliminar de violação ao referido artigo.

      Em crimes mais graves, no caso do réu não comparecer quando devidamente citado, o MP geralmente pede que a autoridade judicial suspenda o processo e decrete a prisão preventiva, nos termos do art. 366, do CPP. Se o magistrado acolher o pedido, o processo ficará suspenso, assim como a prescrição, decretará a prisão preventiva e um mandado de prisão será emitido. Em algum momento o réu será preso e isso deverá ser comunicado nos autos. Então será dada oportunidade do acusado comparecer no processo (será intimado na unidade prisional) e fazer a sua defesa inicial , ao tempo que pede pela revogação da preventiva.

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  6. e se o juiz fosse acionista do supermercado, teria que apresentar a peça de exceções junto com a resposta de acusação?

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    1. na resposta à acusação, traria a suspeição como preliminar, juntando provas do quanto alegado.

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