20 de out. de 2016

D. Processual Civil I: Ônus da Prova

Ônus da Prova 

"Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz. (...) Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados (...). 

Inexistindo obrigação ou dever de provar para a parte, o ônus da prova se torna, em última análise, um critério de julgamento para o juiz: sempre que, ao tempo da sentença, ele se deparar com falta ou insuficiência de provas para retratar a veracidade dos fatos controvertidos, o juiz decidirá a causa contra aquele a quem o sistema legal atribuir o ônus da prova, ou seja, contra o autor, se foi o fato constitutivo de seu direito o não provado; ou contra o réu, se o que faltou foi a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo invocado na defesa.

No ônus da prova, portanto, verifica-se um aspecto de “regra de decisão”, qual seja, evitar o non liquet (recusa de julgar). Por meio desse mecanismo processual, impede-se que a causa se encerre sem julgamento por falta de prova. Decide-se o mérito, segundo a regra do onus probandi, desprezando-se a alegação de quem não provou o fato que lhe competia comprovar" Theodoro Jr. (2016, p. 893, 894).

* Natureza Jurídica do Ônus da Prova
"A conclusão acerca do tema do ônus da prova, embora cogitado no direito processual de forma expressa e direta, é que suas regras não são exclusivas nem do direito material nem do direito processual. Trata-se de normas de natureza mistauma vez que, embora sua aplicação ocorra no processo, têm vínculo indissociável com o direito substancial. Afinal, a prova reclamada pelo processo refere-se a fatos jurídicos, cuja regulação pertence ao direito material" Theodoro Jr. (2016, p. 895. Grifei). 

Os Dois Aspectos do Ônus da Prova
Objetivo: "é visto como uma regra de julgamento a ser aplicada pelo juiz, no momento de proferir a sentença, no caso de a prova se mostrar inexistente ou insuficiente. No aspecto objetivo, o ônus da prova afasta a possibilidade de o juiz declarar o non liquet diante de dúvidas a respeito das alegações de fato em razão da insuficiência ou inexistência de provas. Sendo obrigado a julgar e não estando convencido das alegações de fato, aplica a regra do ônus da prova" Neves (2016, p. 656). 

Subjetivo: "analisa-se o instituto sob a perspectiva de quem é o responsável pela produção de determinada prova ('quem deve provar o que')" Neves (2016, p. 656). 

Sistema Legal do ônus da Prova 
Art. 373.  O ônus da prova incumbe:
Incumbir significa atribuir tarefa a alguém. 

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
"Deve provar a matéria fática que traz em sua petição inicial e que serve como origem da relação jurídica deduzida em juízo" Neves (2016, p. 656).

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
É a defesa de mérito indireta. Se o réu, em sua defesa, alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, o ônus de provar esse fato será seu. Contudo, "a simples negação do fato alegado pelo autor não acarreta ao réu o ônus da prova" Neves (2016, p. 657). 

"Se nenhuma das partes se desincumbir de seus ônus, no caso concreto, e o juiz tiver de decidir com fundamento na regra do ônus da prova, o pedido do autor será julgado improcedente" Neves (2016, p. 657). 

Fato Negativo x Negação do Fato
Fato Negativo: funciona como fato constitutivo de um direito, tem sua prova muitas vezes exigida pela própria lei. É o que ocorre, por exemplo, com a prova do não uso, por 10 anos, para extinguir-se a servidão (CC, art. 1.389, III) (...). Em casos como esses, a parte que alega o fato negativo terá o ônus de prová-lo" Theodoro Jr. (2016, p. 898). 

Negação do Fato: é "a simples negação do fato constitutivo, naturalmente, não reclama prova de quem a faz" Theodoro Jr. (2016, p. 898).

Conflito de Versões Sobre o Fato Constitutivo do Direito do Autor
"No simples conflito de versões para um só fato, o encargo de provar o fato constitutivo continua inteiramente na responsabilidade do autor, mesmo que o réu nada prove a respeito de sua versão. O importante é que o fato fundamental da causa de pedir não foi aceito pelo réu e, portanto, terá necessariamente de ser comprovado pelo autor, nos termos do art. 373, I" Theodoro Jr. (2016, p. 899).

Iniciativa Probatória do Juiz e Ônus Legal da Prova
Art. 370.  Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único.  O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova (medida excepcional)
É a forma adotada pelo NCPC.

"A redistribuição dinâmica do ônus da prova justifica-se como meio de equilibrar as forças das partes litigantes e possibilitar a cooperação entre elas e o juiz na formação da prestação jurisdicional justa. (...) O deslocamento se impõe, como medida de justiça e equidade. Com isso, ambas as partes assumem as mesmas possibilidades de convencer o julgador sobre a veracidade das alegações de fatos aduzidas, além de ser fomentada a solidariedade entre os sujeitos processuais, nos termos previstos no NCPC" Theodoro Jr. (2016, p. 907). 

Objetivos:
Eduardo Cambi (2006, p. 342-343 apud THEODORO JR., 2016, p. 908), expõe quatro objetivos que justificam a distribuição dinâmica do ônus da prova: 

"(a) evitar os riscos de injustiça que às vezes decorrem da aplicação fria do sistema da partilha estática do ônus da prova;

(b) atribuir a carga à parte que melhores condições tem para clarear a situação fática controvertida, com o que se inibe julgamento em situação de incerteza, baseado apenas na regra formal ordinária;

(c) impedir que a parte possuidora de informações privilegiadas as maneje arbitrariamente, com o que se pode garantir o contraditório segundo o princípio da paridade de armas e da boa-fé processual;

(d) garantir a maior cooperação entre os sujeitos do processo, para evitar decisões surpresa, potencializar a busca da verdade real e proporcionar o alcance do processo justo e estruturado de modo a enaltecer o valor solidariedade, consagrado na Constituição Federal".

"Por fim, importante destacar que essa redistribuição do onus probandi é sempre parcial. Não pode nunca ser totalTheodoro Jr. (2016, p. 907).

Requisitos Para Inversão do Ônus da Prova
Art. 373 (...)
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
"O §1º permite que o juiz, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, atribua, em decisão fundamentada e com respeito ao princípio do contraditório, o ônus da prova de forma diversa. Consagra-se, legislativamente, a ideia de que deve ter o ônus da prova a parte que apresentar maior facilidade em produzir a prova e se livrar do encargo." Neves (2016, p. 658). 

"A quebra do sistema estático do ônus da prova não se dá segundo o juízo de conveniência e oportunidade feito pelo magistrado no caso concreto. O novo Código estatui que o emprego da redistribuição dinâmica da carga probatória está sujeito a requisitos legais que são objetivos e escapam, portanto, do subjetivismo do juiz, quais sejam:

(a) impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos estáticos da lei; ou

(b) maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, por parte daquele a quem a lei ordinariamente não impunha o ônus da prova". Theodoro Jr. (2016, p. 907).

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
Sobre esse parágrafo, Neves explica que "a norma é elogiável porque a técnica de distribuição dinâmica da prova não se presta a tornar uma das partes vitoriosa por onerar a parte contrária com encargo do qual ela não terá como se desincumbir" (2016, p. 658). É a vedação da exigência da 'prova diabólica' (assim denominada pela doutrina). 

Ônus Dinâmico da Prova e Contraditório
O novo Código absorveu a teoria do ônus dinâmico da prova, mas o fez com todas as cautelas necessárias para evitar decisões surpresa e para cumprir, com efetividade, o contraditório, e bem observar o princípio democrático da cooperação entre os sujeitos do processo (NCPC, art. 373, §§ 1º e 2º)" Theodoro Jr. (2016, p. 912).

§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.

Procedimento Para a Inversão do Ônus da Prova
"A redistribuição do onus probandi pode decorrer de requerimento da parte ou ser decretada de ofício pelo juiz. (...) Para se cumprir o contraditório, quando o incidente for provocado pela parte, o juiz ouvirá a parte contrária antes de decidir (art. 9º). Se a iniciativa partir do juiz, caber-lhe-á cumprir o dever de prévia consulta às partes, previsto nos arts. 9º
e 10. Esta consulta terá de ser feita como ato preparatório da decisão de saneamento [antes da decisão de saneamento]. Se o juiz deliberar pelo redirecionamento sem cumprir o dever de consulta, a parte que se considerar prejudicada pela inovadora atribuição de encargo probatório terá “direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes”, no prazo de cinco dias (art. 357, § 1º)" Theodoro Jr. (2016, p. 910, grifei).

Ônus da Prova nas Ações do Consumidor
"Para as demandas intentadas no âmbito das relações de consumo, existe regra
especial que autoriza, em certos casos, a inversão do ônus da prova, transferindo-o
do autor (consumidor) para o réu (fornecedor) (art. 6º, VIII, do CDC). Não se pode, todavia, entender que o consumidor tenha sido totalmente liberado do encargo de provar o fato constitutivo do seu direito, nem que a inversão especial do CDC ocorra sempre, e de maneira automática, nas ações de consumo. Em primeiro lugar, a lei tutelar do consumidor condiciona a inversão a determinados requisitos (verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor), que haverão de ser aferidos pelo juiz para a concessão do excepcional benefício legal. Em segundo lugar, não se pode cogitar de verossimilhança de um fato ou da hipossuficiência da parte para prová-lo sem que haja um suporte probatório mínimo sobre o qual o juiz possa deliberar para definir o cabimento, ou não, da inversão do ônus da prova" Theodoro Jr. (2016, p. 914). 

Convenção Sobre Ônus da Prova
"Como as partes têm disponibilidade de certos direitos e do próprio processo, é perfeitamente lícito que, em cláusula contratual, se estipulem critérios próprios a respeito do ônus da prova, para a eventualidade de litígios a respeito do cumprimento do contrato. A permissão legal consta do § 3º do art. 373 do NCPC. (...) Isso, porém, só será admissível quando a cláusula referir-se a direitos disponíveis, ou quando não tornar impraticável o próprio direito da parte. Assim, o § 3º do art. 373 declara não ser possível a convenção das partes que distribua o ônus da prova de forma diversa daquela prevista em seu caput, quando: 

(a) recair sobre direito indisponível da parte (inciso I); 
(b) tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito (inciso II)" Theodoro Jr. (2016, p. 914).

Referências 
CAMBI, Eduardo. A Prova Civil. Admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil comentado. 1. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. 

THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil, teoria geral do processo e processo de conhecimento. vol 1. 57. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2016.

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