24 de abr. de 2016

D. Penal - Crime Continuado

CRIME CONTINUADO

É uma reunião de delitos da mesma espécie praticados, mas que são considerados como um único crime pelo Código Penal, evitando que uma pena acentuada seja aplicada ao agente. Havendo ou não a unidade de desígnios - o desejo de praticar e consumar os diversos crimes - o que se analisa é se as infrações penais cometidas foram dentro de um mesmo contexto de acontecimentos, ou seja, mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Afirmando-se a similitude dos eventos, a semelhança dos procedimentos empregados e que os delitos estão entrelaçados, configura-se o crime continuado. Ao agente é aplicada, então, a pena de um só dos crimes, se idênticas (as penas), ou a mais grave, se diversas, aumentada, em ambos os casos, de um sexto a dois terço. 

Crime continuado é uma ficção jurídica, porque não houve um crime, houve vários, mas por razões de política criminal concebe-se apenas um. Essa é a teoria da ficção jurídica adotada pelo Código como natureza jurídica da continuidade delitiva. 

Obs 1: O Código adotou a teoria objetiva sobre a unidade de desígnios, pois o art. 71 nada fala sobre. A lei, portanto, não exige a existência da unidade de desígnios. Contudo, parte da doutrina e jurisprudência insiste na necessidade de sua presença. "A teoria da ficção jurídica entende que as várias ações levadas a efeito pelo agente que, analisadas individualmente, já consistiam em infrações penais, são reunidas e consideradas fictamente como um único delito" Greco (2015, p. 674).

Obs 2: Bonfim e Capez (2004, p. 784), traçam a diferença entre crime continuado e o concurso formal, "no primeiro se exige a prática de duas ou mais condutas, ao passo que no concurso formal há apenas uma ação, que poderá ser desdobrada em vários atos. Exemplo: no delito de roubo, com pluralidade de vítimas, aplica-se a regra o concurso formal (CP, art. 70), e não a continuidade delitiva".

Crime Continuado
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
O caput do art. 71 trata de crime continuado comum, cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa. 

Diante do Código, são condições do crime continuado: 
- Pluralidade de ações;
- Pluralidades de crimes da mesma espécie;
- Similitude dos eventos, incluindo aqui condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes;
- Crimes entrelaçados. Delitos consecutivos, onde os subsequentes possuem o mesmo DNA do primeiro. 

Crimes da mesma espécie: não é pacífico o entendimento do que sejam crimes da mesma espécie. Tanto doutrinadores como a jurisprudência adotam posições diversas. Greco (2015, p. 675) explica que "a primeira posição considera como crimes da mesma espécie aqueles que possuem o mesmo bem juridicamente protegido. (...) Assim, o furto e roubo seriam da mesma espécie. A segunda posição aduz que crimes da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma tipificação penal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, se tentados ou consumados. (...) Ao contrário, portanto, da posição anterior, para esta não poderia haver continuidade entre furto e roubo, uma vez que tais infrações penais encontram moldura em figuras típicas diferentes". 

Condições de tempo: não é também uma questão pacífica, pois, como afirma Nucci, "não se podem fixar, a esse respeito, indicações precisas" (2005, p. 373). Ou seja, não há critérios inflexíveis, a avaliação de cada caso concreto deve ser observada. A jurisprudência do STF estipula um limite de tempo máximo de trinta dias entre um crime e outro. 

Condições de lugar: Bonfim e Capez (2004, p. 790) citam o RTJ, 90/261: "a prática do mesmo delito seguidamente em locais diversos não exclui a continuidade. Assim, admite-se que crimes praticados em bairros diversos de uma mesma cidade, ou em cidades próximas, podem ser entendidos como praticados em condições de lugar semelhantes. Igualmente, existe continuidade delitiva entre crimes praticados em cidades distintas, porém vizinhas". 

Maneira de execução: a forma de agir do agente deve seguir um padrão semelhante. O modus operandi nos delitos tem que ser o mesmo. Na sua conduta típica deve haver atos parecidos para a realização da infração penal. 

Outras circunstâncias semelhantes: as condições de tempo, lugar e execução são todas circunstâncias objetivas. Nucci (2005) explica que outras circunstâncias semelhantes mencionadas no Código tratam de circunstâncias objetivas semelhantes. Outros elementos presentes enredados com o crime e semelhantes entre eles.

Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.
O parágrafo único do art. 71 trata de crime continuado qualificado ou específicoCrimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. 

No crime continuado, se o agente agiu dolosamente contra vítimas diferentes e na sua conduta houve violência ou grave ameaça à pessoa, a aplicação da pena se dará de forma diversa da aplicada no caput desse mesmo artigo. O juiz pode aumentar a pena definida do crime-base até o triplo. 

A última parte do parágrafo em comento determina que ao aumentar a pena até o triplo, o juiz deve observar as regras do parágrafo único do art. 70 (crime material benéfico) e observar os limites das penas reguladas pelo art. 75. A pena final do crime continuado qualificado não pode jamais ultrapassar a pena que seria dada se utilizasse a regra de somatização das penas do concurso material. No exemplo de Nucci (2005, p. 380): "se o réu responde por dois homicídios qualificados em continuidade delitiva, não pode o magistrado, ainda que o art. 71, parágrafo único, permita, aplicar a pena de um deles (12 anos, que é o mínimo), triplicando-a (36 anos), pois, usando o concurso material, a pena seria fixada em 24 anos". O magistrado é obrigado a utilizar, nesse exemplo de crime continuado qualificado, a regra do parágrafo único do art. 70 (concurso material benéfico). 

O final do parágrafo único do art. 71 determina a observação também às regras do art. 75 do Código Penal, o qual trata do limite máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade no Brasil, que não pode ultrapassar os 30 anos. Não significa que o réu não pode ser condenado a uma pena superior a 30 anos. Pode, mas o tempo de cumprimento será de no máximo 30 anos.   

Limite das penas
Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.

Referências: 

BONFIM, Edilson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual., ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005

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