27 de nov. de 2015

D. Penal - Fato Típico: Ilicitude

Ilicitude (Antijuridicidade)

              CRIME
Fato Típico
Ilícito ou Antijurídico. Causas excludentes da ilicitude:
Culpável
Conduta
Estado de Necessidade
Imputabilidade
Resultado
Legítima Defesa
Potencial Consciência Sobre a Ilicitude do Fato
Nexo de Causalidade
Estrito Cumprimento de Dever Legal
Exibilidade de Conduta Diversa
Tipicidade
Exercício Regular de Direito

Sabe-se que crime é todo fato típico, ilícito e culpável. Esses três elementos funcionam como fases de análise da conduta. A ilicitude faz parte da segunda fase da avaliação da conduta para saber se ela pode ou não pode ter a assinatura de crime. Após certificar-se que a ação ou omissão do agente se combinou a um tipo penal, é fundamental agora apurar se essa conduta pode ser caracterizada como ilícita ou antijurídica, porque nem toda conduta típica é necessariamente ilícita. É natural suspeitar da ilicitude de uma conduta típica, pois ela possui indícios, sinais de ilicitude. Por exemplo, alguém que mata outro pratica o crime de homicídio e se amolda perfeitamente ao art. 121 do Código Penal. Sua conduta é típica. Para aquelas pessoas que, a princípio, não sabem o motivo do assassinato, é natural suspeitar que o tal ato homicida seja algo de desrespeito às ordens jurídicas, que o agente infringiu as normas penais e, portanto, é um criminoso. Contudo, se esse agente matou em legítima defesa, as suspeitas iniciais caem por terra, pois o ordenamento jurídico permite que alguém abata outro em legítima defesa. Ou seja, o ato foi tipicamente um homicídio, entretanto não se configura infração penal, pois não é antijurídico. 

A antijuridicidade se define ao trazer em cena as causas que a excluem, assim, o entendimento da antijuridicidade se dará na perspectiva dessas causas. A antijuridicidade, como elemento na análise conceitual do crime, assume, portanto, o significado de "ausência de causas excludentes de ilicitude". (MIRABETE, 2005, p. 173). Mirabete quer dizer que: se na conduta típica não houver causas que excluam a ilicitude, o fato é antijurídico e, portanto, haverá crime. Por outro lado, se houver uma das causas que justifiquem a eliminação da ilicitude, a conduta típica não é antijurídica. Como no exemplo supra, a morte por legítima defesa é uma das causas que excluem a antijuridicidade. Assim, o fato tem que ser analisado não apenas na dimensão dos sintomas da criminalidade da conduta, mas também na justificativa do motivo que gerou o comportamento típico. 

As quatro causas excludentes de ilicitude estão descritas nos incisos do art. 23 do CP: 

Exclusão de ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Excesso punível 
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

1. Estado de Necessidade
O art. 24 do CP assim o define:

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

O caput diz que age em estado de necessidade o agente que sacrifica bem jurídico de outrem para salvar seu direito próprio ou direito alheio em uma situação que ele mesmo não provocou e nem poderia evitar ou daquilo escapar. 

O estado de necessidade põe em tela uma batalha entre dois bens jurídicos, seus titulares se encontram em momento conflituoso diante de determinada situação de perigo, sendo que desse combate um certamente sairá ofendido. Diante desse conflito de bens é necessário considerar sobre a relevância jurídica que cada um carrega, pois a análise da conduta do agente estará também sob a perspectiva de tal consideração. Por exemplo, no confronto entre a vida humana e a vida animal... digamos que um leão resolve atacar seu domador diante da platéia no circo e o põe numa situação de alto risco de morte. Dentre os bens a ser salvos entende-se que não seria sensato exigir que o agente agisse de outro modo a não ser o abate do leão e a preservação da vida humana. Na balança, a vida humana pesa mais que a vida animal, portanto, é razoável abater o felino. Na hipótese do inverso: numa situação que o agente agride um bem de maior valor jurídico que aquele defendido (por ex. matar alguém para proteger sua casa), não pode ele justificar-se de estado de necessidade, mas, pelo fato de ser uma situação de perigo que ele mesmo não provocou, tem a possibilidade de incidir o § 2º do art. 24. Tal parágrafo revela a não exclusão da antijuridicidade e o agente será sentenciado com redução de pena.

Em suma, deve ser frisado que a regra do estado de necessidade é a colisão de bens juridicamente protegidos [...]. (GRECO, 2015, p. 377).

Requisitos que justificam o estado de necessidade:

a) existência de perigo atual e inevitável: vale o momento que está ocorrendo a ameaça de ofensa ao bem e o agente, nas circunstâncias em que se encontra, não pode escapar da situação, nem pode impedir o perigo. Atual significa corrente, presente. Inexiste  a descriminante se o risco ainda não se instalou, é apenas possível ou mesmo provável em um futuro, remoto, ou já tenha sido ultrapassado. (MIRABETE, 2005, p. 233).

Por exemplo, não age em estado de necessidade o agente que mata cão feroz só porque viu o portão da residência aberto e achou que o animal poderia sair dali e lhe atacar. Ou seja, ele projetou uma situação que pensou que poderia acontecer, especulou uma cena futura que naquele momento ainda não tinha tido início. Para se beneficiar pela excludente de ilicitude o perigo tem que ter início, se efetivar, neste caso, o cachorro deve estar em momento de ataque e o agente não encontre condições de fugir, para que ele possa justificar sua conduta, pois não podia de outro modo agir.

b) ameaça a direito próprio ou alheio: se há uma ameaça a direito próprio ou alheio significa que aquele bem jurídico não se encontra protegido, caso contrário não haveria que se falar em ameaça. Exemplo: o agente que no interior de seu carro com as portas e janelas fechadas abate o cão bravo que avança em seu automóvel não age em estado de necessidade, pois não havia ameaça a direito próprio (sua vida ou sua integridade física) e nem pode alegar que protegia de danos o seu patrimônio (carro), sendo que entre a vida de um animal e o patrimônio é sensato exigir o sacrifício do patrimônio. É necessário que o bem a ser protegido esteja evidentemente em perigo, assim ao agente é permitido, como leciona Mirabete (2005, p. 177), que ele pratique o fato típico para evitar um mal que pode ocorrer se não o fizer. 

c) perigo não causado voluntariamente: o agente provocou por sua vontade, dolosamente, a situação de perigo? Se sim, ele não justifica sua conduta típica com a excludente de ilicitude. Mas, se ele não causou dolosamente o perigo e age em estado de necessidade, sua conduta típica é lícita. 

d) inexistência de dever legal de enfrentar o perigo: é o que determina o § 1º do art. 24. Algumas pessoas possuem o dever legal - aquele que se origina da lei - de enfrentar certas situações de perigo que podem pôr a sua própria vida em risco, como o bombeiro, o policial, o salva-vidas etc. Mas, não significa que eles tenham que permitir ser mortos para salvar a vida de outrem. É necessário analisar os limites lógicos no caso concreto. O propósito desse parágrafo, como esclarece Nucci (2005, p. 220), é evitar que pessoas obrigadas a vivenciar situações de perigo, ao menor sinal de risco, se furtem ao seu compromisso

e) inevitabilidade do comportamento: diante da situação de perigo o comportamento do agente ao sacrificar outro bem jurídico é o único meio dele proteger a si mesmo. Se diante da situação houver uma outra forma menos lesiva, essa deve ser a escolha. É preciso verificar se o perigo pode ser afastado por qualquer outro meio menos lesivo. Se a fuga for possível, será preferível ao sacrifício do bem [...]. (BONFIM; CAPEZ, 2004, p. 483). 

f) razoabilidade do sacrifício: razoabilidade traz o sentido de prudência e sensatez. Leva-se em conta o discernimento da relevância jurídica do bem a ser protegido e daquele agredido, evitando uma inversão de valores e como consequência o não reconhecimento do estado de necessidade. Diante de perigo atual e inevitável não criado pelo agente, no conflito entre os bens, é razoável o agente sacrificar qual? Matar alguém para proteger sua casa, ou permitir a destruição de sua casa e proteger a vida de outro? A teoria unitária, adotada pelo Código Penal, justifica o requisito da razoabilidade do sacrifício. Para essa teoria, há estado de necessidade não só o sacrifício de um bem de menor para o salvar um de maior valor, mas também no sacrifício de um bem de valor idêntico ao preservado [...] Não ocorrerá a justificativa se for de maior importância o bem lesado pelo agente. (MIRABETE, 2005, p. 179).

2. Legítima Defesa

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Outra causa de exclusão da ilicitude. O art. 25 traz seu conceito. 

O Estado permite que as pessoas se defendam ou defendam outros quando elas estiverem sendo vítimas de um ataque injusto ou ilícito. Nesse sentido, o Código Penal não se curva ao antijurídico, mas lhe ataca também nas mesmas proporções. Inclusive, permite até mesmo o homicídio. Partindo do pressuposto que bens jurídicos são aqueles protegidos pelo Estado, é sensato concluir que o Estado permita a proteção (o agente se defender atacando) de um bem agredido ou prestes a ser agredido injustamente. A ordem jurídica exige respeito ao direito de outrem. Se este não fosse protegido, seria impossível a coexistência social. É mister respeitarmos o direito do próximo para que o nosso respeitado também seja. (NORONHA, 1991, p. 192).

Portanto, é coerente que a legítima defesa seja um dos motivos que excluam a ilicitude. O agente pratica uma conduta tipicamente formal, mas a tipicidade material não será definida, pois a ação praticada não é antijurídica, ao contrário, é permitida pelo Estado. 

Requisitos que justificam a legítima defesa: 

a) agressão injusta: agressão injusta é um tipo de atitude humana que oferece ameaça ou lesão a um bem amparado pelo ordenamento jurídico quando a vítima não pratica nada de ilícito que justifique a ofensa. Nem sempre é uma injúria ao ser humano. A agressão injusta pode ser também acometida a um bem material, como no exemplo no caso de furto, a vítima pode valer-se da legítima defesa a fim de proteger seu patrimônio atacado. Os ofendículos são um exemplo clássico da excludente de ilicitude na defesa legítima ao patrimônio (embora alguns autores afirmem que é exercício regular de direito). 

Também não importa se a agressão derive de um inimputável, sendo injusta é reconhecido o direito de se proteger por parte da vítima. 

Como se fala em agressão injusta, compreende-se que não se reconhece legítima defesa contra animais e coisas, pois eles não têm consciência entre certo e errado, justo e injusto. Animais que atacam e coisas que colocam pessoas em risco podem ser danificados ou eliminados, mas estaremos diante do estado de necessidade defensivo. (NUCCI, 2005, p. 225).

b) agressão atual ou iminente: atual é aquela agressão que se efetivou, que já teve início; iminente é a injúria que está a ponto de ocorrer, que já deu sinais de um ataque, mas o bem jurídico que deve se defender ainda não sofreu um dano. O Código foi bem específico ao se utilizar de ambas as palavras, ou seja, não se admite legítima defesa contra agressão futura e nem contra aquela que ocorreu no passado. A legítima defesa não se funda no temor de ser agredido nem no revide de quem já o foi. Há de ser presente a agressão, isto é, estar se realizando ou prestes a se desencadear. (NORONHA, 1991, p. 192).

c) defesa de um direito próprio ou de terceiros: o Código não especificou os direitos passíveis de defesa. Entende-se que qualquer direito está qualificado a ser defendido: vida, patrimônio, honra, integridade física, liberdade, etc. A lei é clara, consente-se a defesa de bem jurídico de terceiro também e se reconhece, portanto, a excludente de ilicitude. Exemplo: o marido que vê esposa sendo ofendida injustamente por palavras em sua honra em local público e ataca o agressor com um pontapé moderado lhe causando ferimento leve age em legítima defesa. 

d) o uso de meios necessários: é a afinidade do instrumento usado na defesa em relação ao contexto do ataque. Greco diz que meios necessários são todos aqueles eficazes e suficientes  à repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer. (2005, p. 402). É sensato que se analise cada caso para o entendimento desse requisito. Por exemplo, digamos que um lutador peso-pesado de Muay-Thai agrida injustamente um sujeito de apenas 60 quilos sem qualquer experiência de luta. Não é de se esperar que o franzino revide aos murros com o lutador, pois há uma desproporção de peso e de aptidões. É justo que o 'fracote' se utilize de meios necessários que repulse, que afaste a agressão sofrida. Caso ele tenha um revólver como único meio de defesa, seria legítimo atirar no agressor, mas mesmo operando a arma, o franzino tem que ser racional ao usá-la para não cometer excessos. A reação deve ser proporcional ao ataque, bem como deve ser razoável. (GRECO, 2015, p. 403).

e) moderação no uso dos meios necessários: é o emprego dos meios necessários dentro do limite razoável para conter a agressão. (BONFIM; CAPEZ, 2004, p. 496). O meio utilizado para afastar o ataque além de ter que ser proporcional à condição da agressão, o seu uso tem que ser feito de forma moderada. Também aqui é preciso analisar cada caso para o reconhecimento da legítima defesa, pois não há uma fórmula exata que determine como se configura a moderação. 

3. Estrito Cumprimento de Dever Legal
Outra causa que exclui a ilicitude. O agente pratica uma conduta típica, mas tal conduta faz parte de sua função como agente ou funcionário público. Ele possui o dever legal, ou seja, obrigação derivada da lei, de se conduzir daquela forma. Errado seria se não cumprisse aquilo que a lei determina. O Código, ao usar a palavra 'estrito', determina que o agente não extrapole as fronteiras daquilo que a lei estabelece que ele faça, caso contrário, extingue-se a excludente. Exige-se que o agente se contenha dentro dos rígidos limites de seu dever, fora dos quais desaparece a excludente. (BONFIM; CAPEZ, 2004, p. 501).


Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
[...]
III - em estrito cumprimento de dever legal

A lei não pode punir quem cumpre um dever que ela impõe. Seria estranho, por exemplo, punir-se o carrasco porque executa as penas capitais. (NORONHA, 1991, p. 200). 

A máquina pública, em diversas dimensões da organização do Estado, atribui deveres legais para seus agentes e funcionários de forma que o seu funcionamento ocorra adequadamente. Imagine a realidade da segurança pública se ao policial não fosse atribuído o poder de prender um sujeito que oferece resistência ao ser pego em flagrante por homicídio doloso. 

4. Exercício Regular de Direito 

Não pratica crime quem executa uma conduta típica em seu exercício regular de direito. Exemplo são os lutadores de boxe, que causam lesões físicas uns nos outros, mas estão amparados pelas permissões do ordenamento jurídico. Outras situações de exercício regular de direito: castigo dos pais em seus filhos; o porte legal de arma de fogo; intervenção médica cirúrgica etc. 

Causa Supra Legal de Excludente de Ilicitude

Consentimento do Ofendido: pode ser uma causa que exclui a ilicitude, mas não está disposta no ordenamento jurídico, por isso dito ser causa supra legal. É necessário saber da diferença entre bens disponíveis e indisponíveis a fim de que seja entendido os requisitos para  o consentimento. De acordo com as lições de Mirabete (2005, p. 192), bens indisponíveis são aqueles em cuja conservação há interesse coletivo, do Estado ( vida, integridade corporal, família etc.)s e disponíveis são aqueles exclusivamente de interesse privado (patrimônio, honra etc). 


Para Greco (2015, p. 431), o consentimento do ofendido surge efeito desejado se estiverem presentes três requisitos fundamentais: 

- que o ofendido tenha capacidade para consentir;
- que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível;
- que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou pelo menos numa relação de simultaneidade à conduta do agente. 


Referências Bibliográficas:

BONFIM, Edilson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva. 2004

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2015.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5. ed. atual. por Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2005

____. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 22. ed. rev. e atual. por 
Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2005

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal 1. 29. ed. rev. e atual. por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva,  1991.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual., ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005

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