8 de mai. de 2016

D. Penal: Ação Penal

AÇÃO PENAL

Sobre o tema, Bonfim e Capez conceituam: "é o direito de pedir ao Estado-juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto" (2004, p. 799). 

A parte tem o direito constitucional de ingressar na Justiça (quando preenchidos alguns requisitos) e exigir dela a sua prestação jurisdicional. A Constituição, através de seu art. 5º, XXXV, assegura tal direito: 

Art. 5º. (...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Crime é aquilo que agride ou ameaça determinado bem jurídico. O Estado é o toldo de proteção dos bens jurídicos e quando estes são violados cabe ao Estado punir o autor da infração penal, sendo que isso se dá através do seu poder de aplicar a lei ao caso concreto. Contudo, para se chegar a uma sentença condenatória, definindo-se uma punição penal, é necessário percorrer determinado trajeto, determinado roteiro, um caminho juridicamente estabelecido, uma rota subordinada à lei. É preciso haver um processo. O processo é a rota que o caso concreto e seus personagens - acusação e réu - peregrinarão juntamente com o juiz até o momento do julgamento. A prestação jurisdicional se revela através do processo. Mas para que um processo seja instaurado é preciso que a tutela jurisdicional seja solicitada e isso realiza-se por meio de um direito: o direito de ação. Assim, no âmbito penal, ação é o direito de pedir ao Poder Judiciário a sua prestação jurisdicional e reivindicar que ele exercite o seu poder-dever de punir o infrator de um delito. O processo, portanto, é o instrumento que justifica a ação penal. "Por meio da ação, tendo em vista a existência de uma infração penal precedente, o Estado consegue realizar a sua pretensão de punir o infrator" leciona Nucci (2016, p. 140).   

CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL
A ação penal expande-se em um processo quando preenchidos alguns requisitos que o direito de ação está submetido para que não seja rejeitado. São as condições da ação penal, condições essas necessárias para que se possa exigir a prestação jurisdicional. São elas: a) possibilidade jurídica do pedido, b) interesse de agir e c) legitimidade das partes. 

Possibilidade jurídica do pedido
Se a ação penal é um pedido de tutela jurisdicional, esse pedido tem que ser digno de ser estimado pelo Poder Judiciário. No âmbito penal, o Estado realizará a sua prestação jurisdicional quando o fato que embasa o pedido for previsto como crime, ou seja, um fato típico, ilícito e culpável. "Para haver ação penal, é fundamental existir, ao menos em tese e de acordo com uma demonstração prévia e provisória, uma infração penal" Nucci (2016, p. 147). 

Interesse de agir
Subdivide-se o interesse de agir em necessidade, utilidade e adequação.
É a demonstração do titular da acusação que existe necessidade, utilidade e adequação para a ação penal. A necessidade é a afirmação que sem o devido processo legal uma pena não poderá ser imposta ao réu. "A necessidade é inerente ao processo penal, tendo em vista a impossibilidade de impor pena sem o devido processo legal" Bonfim e Capez (2004, p. 802). A utilidade é a demonstração que a ação penal é útil, que ela será proveitosa ao Estado, que a ação penal é aproveitável em relação a punição, ou seja, a aplicação da punição através da prestação jurisdicional será infalível nesta ação penal. Não interessa ao Estado prosseguir em um caso onde se verifica que houve prescrição da pena, por exemplo. Quanto a adequação, ensina Nucci: "o órgão acusatório precisa promover a ação penal nos moldes procedimentais eleitos pelo Código de Processo Penal, bem como com supedâneo em prova pré-constituída" (2016, p. 149).

Legitimidade das partes
Subdivide-se em legitimidade para a causa e legitimidade para o processo. 
- Legitimidade para a causa: É, do lado ativo, quem está autorizado a propor a ação penal: Ministério Público (ação penal pública) ou ofendido (ação penal privada) e no lado passivo o infrator da ação penal. 

- Legitimidade para o processo: "é a capacidade para estar no pólo ativo, em nome próprio, e na defesa de interesse próprio (cf. arts 33 e 34 do CPP)" Bonfim e Capez (2004, p. 802). 

CPP Art. 33.  Se o ofendido for menor de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal. 

Art. 34.  Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal.



ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL
- Ação penal pública incondicionada: quem a promove é o Ministério Público através de denúncia. "É suficiente a ocorrência do ilícito penal para que seja instaurado o inquérito policial e a consequente ação" Mirabete (2005, p. 374).

- Ação penal pública condicionada: quem a promove é o Ministério Público através também de denúncia, "mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo" (art. 24 CPP). Ou seja, é ação pública, porém subordinada às condições exigidas pelo art. 24 do Código de Processo Penal.  

- Ação penal privada exclusiva: é de iniciativa do ofendido ou do seu representante legal através de queixa. No tipo penal vem caracterizado: "só se procede mediante queixa". 

- Ação penal privada subsidiária: nos crimes de ação pública, qualquer que seja o delito, quando o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal, o ofendido ou aquele que possa representá-lo, através de queixa, pode promover a ação penal. 

- Ação penal privada personalíssima: é o direito de ação que é intransferível. O oferecimento da ação só pode ser feito exclusivamente pelo ofendido, nem mesmo seu representante legal pode fazê-lo. 

CÓDIGO PENAL

Ação pública e de iniciativa privada
Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.
Toda ação penal é pública. Essa é a regra. Quando a iniciativa da ação for privada isso estará explícito em lei. Assim, para saber a natureza da ação basta consultar o Código Penal na parte especial. Se no tipo penal nada vier mencionado, a ação é pública incondicionada. A ação penal pública é promovida pelo Ministério Público e pode ser incondicionada ou condicionada. Exemplos de ilícitos penais em que a iniciativa da ação é pública incondicionada

Homicídio simples
Art. 121. Matar alguem:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Infanticídio
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, de dois a seis anos.

§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.
Na ação penal pública condicionada é exigido em lei a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça. 

"Pode a ação pública depender da representação que se constitui numa espécie de pedido-autorização em que a vítima, seu representante legal ou curador nomeado para a função expressam o desejo de que a ação penal seja instaurada" Mirabete (2005, p. 374). Exemplos: 

Perigo de contágio venéreo 
Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: 
(...)

§ 2º - Somente se procede mediante representação.

Ameaça 

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: 
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. 
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

O § 1º do art. 100 também menciona que a propositura da ação pode depender de requisição do Ministro da Justiça. Exemplo: 


Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo [calúnia, difamação, injúria] aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
(...)
Art. 145 - (...)
Parágrafo único.  Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código (...)


§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
"Chama-se privada porque o interesse em jogo é mais particular do que público, e o escândalo gerado pelo processo pode ser mais prejudicial ao ofendido do que se nada for feito contra o delinquente" Nucci (2005, p. 449). Exemplos:

Fraude à execução 
Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas: 
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. 
Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa.

Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento
Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.
No crime do art. 236 a ação penal é de natureza privada personalíssima, ou seja, apenas o contraente enganado que pode efetivá-la. 

Obs.: Nos crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), a ação penal, em regra, é de natureza privada, mas quando cometidos contra funcionário público pode também ser de natureza pública condicionada.

Súmula 714 do STF:
É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.

§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.
O § 3º menciona a ação privada subsidiária da pública. É uma permissão constitucional de garantir a ação de iniciativa privada mediante queixa do ofendido ou de seu representante legal quando o Ministério Público não oferece denúncia no prazo estipulado em lei. 

Art. 5º (..)
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;

CPP
Art. 29.  Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Excetua-se, aqui, os casos de ação personalíssima. 

A ação penal no crime complexo
Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.
"Crime complexo é aquele composto de dois ou mais tipos penais. Ex.: roubo = furto + lesões corporais ou ameaça" Nucci (2005, p. 450). Furto é ação pública incondicionada e ameaça é condicionada. Seguindo a regra do art. 101, o roubo será sempre ação pública incondicionada, mesmo que um dos crimes que o compõem seja a ação de natureza condicionada. 

Irretratabilidade da representação
Art. 102 - A representação será irretratável depois de oferecida a denúncia.
"A retratação só pode ser feita antes de oferecida a denúncia, pela mesma pessoa que representou" Bonfim e Capez (2004, p. 811). 

Decadência do direito de queixa ou de representação
Art. 103 - Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.
Direito de queixa relaciona-se com ação privada e a representação relaciona-se com a ação condicionada. Se o ofendido deixar extrapolar o prazo de seis meses para propor a ação penal, ele perde o seu direito de agir, que produz o efeito automático de extinguir a punibilidade do infrator. Chama-se isso de decadência. Não confundir com prescrição. "A prescrição, quando ocorre, atinge diretamente o direito de punir do Estado, enquanto a decadência faz perecer o direito de ação, que, indiretamente, atinge o direito de punir do Estado (...)" Nucci (2015, p. 140). 

O prazo de 6 meses começa a contar a partir do dia que que se tem o conhecimento de quem é o autor do crime. No caso do § 3º do art. 100 (quando o MP não oferece denúncia no prazo legal / ação privada subsidiária da pública), o ofendido tem 6 meses para efetuar a queixa a partir do dia que termina o prazo legal do MP oferecer denúncia. 

Renúncia expressa ou tácita do direito de queixa
Art. 104 - O direito de queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente.
O artigo fala em queixa, significando que a renúncia associa-se com ação penal privada apenas, não sendo admitida na representação (ação condicionada). Nem se fala em renúncia de agir do Ministério Público, pois óbvio é que o MP é obrigado a oferecer denúncia perante um fato típico, ilícito e culpável subordinado a ação penal pública incondicionada. Também óbvio que a renúncia apenas pode ser exercida antes de se efetivar a ação penal. Depois da ação penal proposta não mais cabe a renúncia e sim o perdão do ofendido. Mirabete ensina que "a renúncia, ato unilateral, é a desistência do direito de ação por parte do ofendido" (2005, p. 395). A renúncia pode ser expressa ou tácita. A expressa necessita que o ofendido a declare de forma escrita e assinada. A tácita vem explicada na primeira parte do parágrafo único do artigo em comento.  

Parágrafo único - Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo; não a implica, todavia, o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime.
A segunda parte do parágrafo quer dizer que "receber indenização pelos danos causados não implica em renúncia (...)" Nucci (2005, p. 463). 

Perdão do ofendido
Art. 105 - O perdão do ofendido, nos crimes em que somente se procede mediante queixa, obsta ao prosseguimento da ação.
O artigo fala em prosseguimento da ação, significando que aqui a ação penal já foi ajuizada. O perdão do ofendido é a sua desistência de dar continuidade aos desdobramentos da ação. Apenas pode haver perdão nos crimes de ação penal privada. O perdão realiza-se depois da ação ser proposta, a renúncia ocorre antes da ação penal ser proposta. 

Art. 106 - O perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito:
I - se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita;
Quando há vários infratores, se o perdão é concedido a um deles, obrigatoriamente todos os outros se beneficiam. 

II - se concedido por um dos ofendidos, não prejudica o direito dos outros;
Se um dos querelantes (autores da queixa) conceder perdão ao acusado, isso não prejudica o direito dos outros ofendidos em prosseguir com a ação penal. Esse inciso associa-se com o art. 31 do CPP: 

Art. 31.  No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Nucci explica que "o perdão concedido por um sucessor deve contar com a concordância dos demais" (2005, p. 464). 

III - se o querelado o recusa, não produz efeito.
Enquanto a renúncia é ato unilateral, ou seja, não depende da aceitação do infrator, o perdão é ato bilateral, o querelado precisa aceita-lo para produzir efeito. 

§ 1º - Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação.
Exemplo: querelante e querelado reatam a amizade. 

§ 2º - Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença condenatória.
O perdão apenas pode ser oferecido e aceito antes do transito em julgado da sentença condenatória. 


Referências: 

BONFIM, Edilson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 22. ed. rev. e atual. por Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2005

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual., ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005


______. Código de Processo Penal Comentado. 14. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 

______. Manual de processo penal e execução penal. 12. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 

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