30 de nov. de 2015

D. Penal - Fato Típico: Culpabilidade

Culpabilidade


              CRIME
Fato Típico
Ilícito ou Antijurídico. Causas excludentes da ilicitude:
Culpável
Conduta
Estado de Necessidade
Imputabilidade
Resultado
Legítima Defesa
Potencial Consciência Sobre a Ilicitude do Fato
Nexo de Causalidade
Estrito Cumprimento de Dever Legal
Exibilidade de Conduta Diversa
Tipicidade
Exercício Regular de Direito


É sabido que crime é todo fato típico, ilícito e culpável. Esses três entes do conceito analítico do delito estão conectados de tal forma que se tornam as três fundações principais que sustentam a definição precisa e final de um fato como criminoso. Tem-se a impressão que crime é produto resultante de uma engrenagem sistemática operada por tais entes, em que a falha no funcionamento de um implica na impossibilidade de se gerar o resultado. A ausência de um único desses elementos significa consagrar a inoperância da máquina, ou seja, a inexistência do crime. A tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade são entes orgânicos daquilo que se pode chamar de infração penal.

Culpabilidade é a última fase, o último estágio que a análise de um fato percorre para configurá-lo ou não como delito. Quando a investigação do caso chegou no elemento culpável é porque já consagrou-se o fato como típico e antijurídico e agora precisa da afirmação se a culpabilidade será ou não atribuída à ele. Afirmando-se, o fato é punível e, portanto, o agente será responsabilizado pela infração penal, pois o fato que ele produziu chama-se crime! Negando-se, inexiste o crime e, consequentemente, o agente não será punido.

Greco traz um conceito sucinto e preciso de culpabilidade: É o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. (2015, p. 433). E clarifica ainda mais Bonfim e Capez: Toda vez que comete um fato típico e ilícito, o sujeito fica passível de ser submetido a uma censura por parte do poder punitivo estatal, como se este dissesse: "Você errou e, por essa razão, poderá ser punido". Nesse desvalor do autor e de sua conduta é que consiste a culpabilidade. (2004, p. 530).

De acordo com o tempo, algumas teorias surgiram como forma de justificar e estabelecer a culpabilidade, quais sejam:

- Teoria Psicológica: para essa teoria, a culpabilidade é o vínculo psicológico entre o agente e o fato (GRECO, 2015, p. 438). Se o sujeito agiu com dolo ou culpa e gerou um resultado delituoso isso é suficiente para ser culpável. Dolo e culpa se vinculam ao momento puramente mental do agente, sem se levar em conta se ele sabia ou não da ilicitude da sua conduta. Ou seja, dolo e culpa eram requisitos da culpabilidade juntamente com a imputabilidade. Mas, como punir um agente, imputável, que produz com sua conduta um resultado lesivo quando, por exemplo, foi coagido irresistivelmente? Essa teoria falha porque não explicava nas situações de culpa inconsciente (quando o sujeito não prevê o resultado previsível), de coação irresistível e obediência hierárquica. (GRECO, 2015). 

*Culpabilidade: dolo/culpa e imputabilidade

- Teoria Psicológica Normativa: essa teoria modifica a teoria psicológica como forma de preencher as lacunas deixadas por ela. Para a teoria psicológica normativa, a culpabilidade solicita ainda o dolo e a culpa e a imputabilidade do agente, mas o critério de reprovação será analisado com a ideia de que se o agente tinha a consciência da ilicitude da sua conduta e com isso podia se exigir dele uma conduta diversa. A consciência da ilicitude significa trazer o dolo e a culpa para o campo normativo e não mais meramente psicológico, pois se o agente tem conhecimento que sua conduta é anti-normativa, contrária ao ordenamento, dá-se um sentido para o dolo e para a culpa de normatividade.  

*Culpabilidade: dolo/culpa; imputabilidade, consciência da ilicitude e exibilidade de conduta diversa.

- Teoria Normativa Pura: 

Obs. Teoria Finalista da Ação: desenvolvida por Hans Welzel. Para essa teoria, toda ação tem uma finalidade, seja ela lícita ou ilícita, que de maneira consciente é prevista pelo sujeito. De acordo com a vontade do sujeito será toda a sua dinâmica em conformidade ao fim pretendido. Isso significa que a ação da pessoa não pode estar separada da finalidade planejada, o que implica dizer que o dolo (a vontade) e a culpa não podem ser algo afastado da conduta. Então, a partir desse entendimento de Welzel, como pode o dolo e a culpa fazer parte da culpabilidade? Colocando-os como fazendo parte desta, está-se fracionando a estrutura natural da ação. (MIRABETE, 2005, p. 196). Welzel entendeu sabiamente o dolo e a culpa como integrantes naturais da conduta. 

Desenvolve-se assim a teoria normativa pura da culpabilidade. Com o deslocamento do dolo e da culpa para a conduta (elemento do fato típico) define-se os elementos da culpabilidade: imputabilidade, consciência da ilicitude e exibilidade de conduta diversa.

Elementos da Culpabilidade

- IMPUTABILIDADE: 
Seria a possibilidade de se responsabilizar alguém pela prática de determinado fato previsto pela lei penal. (GRECO, 2015, p. 440). Imputável é aquele que entende o caráter ilícito de sua conduta e possui a auto-determinação de se conduzir de acordo com esse entendimento. À este é atribuída a responsabilidade penal.  

Inimputáveis:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A primeira parte do caput do art. 26 do CP admite três tipos de inimputabilidade do agente: doença mental, desenvolvimento mental incompleto e desenvolvimento mental retardado. São as doenças mentais. A segunda parte do caput traz outra medida de inimputabilidade: a incapacidade completa do agente de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento no momento da conduta. O fato para ambas as hipóteses, portanto, não se configura crime. O desenvolvimento mental incompleto que não é caracterizado como doença mental é o menor de 18 anos. 

Semi-imputáveis:
Art. 26 [...]
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.


O parágrafo único do art. 26 refere-se ao agente que não possui doença mental, mas há a presença de alguma pertubação psíquica que encolhe a capacidade dele de entender o caráter ilícito de sua conduta. Quando o caput do art. 26 descreve que 'era inteiramente incapaz', entende-se que há aqui uma incapacidade completa de entendimento. Já o parágrafo único dispõe que 'não era inteiramente capaz'. Não ser inteiramente capaz significa dizer que há uma capacidade parcial, ou melhor, não foi afastado do agente sua inteira faculdade de entendimento do ilícito. Então, nessa hipótese, estabelece o parágrafo que a pena pode ser reduzida, caracterizando o fato como crime.

Menores de dezoito anos
Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Embriaguez e Emoção e Paixão
Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:
I - a emoção ou a paixão;
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 

§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Embriaguez
Embriaguez não é motivo de exclusão da imputabilidade, o agente pode responder por crime. As suas espécies são: 

1. Embriaguez não acidental voluntária (dolosa): há a vontade do agente em se embriagar. Ele ingere bebidas ou alguma droga psicoativa com a intenção de 'sair de si'. 

1.1. Embriaguez não acidental culposa: exemplo é aquela bebida social entre amigos, sem meta de ficar bêbado, mas que por se exceder haverá uma mudança no comportamento mental.  

A embriaguez não acidental dolosa e culposa pode ser completa ou incompleta. Incompleta é quando encolhe parcialmente a capacidade do agente de entendimento e auto-determinação. E completa é quando a embriaguez afasta por completo seu poder de entendimento e auto-determinação. 

A embriaguez não acidental não extingue a imputabilidade, responde sempre pelo crime, pois no momento que começou a usar da substância psicoativa o agente era livre nesta sua decisão. A conduta, mesmo quando praticada em estado de embriaguez completa, originou-se de um ato de livre-arbítrio do sujeito, que optou por ingerir a substância quando tinha possibilidade de não o fazer. (BONFIM; CAPEZ, 2004, p. 563). Se pratica o crime em estado parcialmente embriagado responde pela pena inteira. Caso haja uma embriaguez completa pode ter a pena reduzida. 

2. Embriaguez acidental: é aquela proveniente de caso fortuito ou de força maior. Pode ser: 
- Completa: o agente perde por completo sua capacidade de entendimento e auto-determinação. Por não ter sido o causador intencional da ingestão da substância que alterou sua consciência, o agente fica isento de pena. Incide o § 1º do art. 28. Essa é a única embriaguez que exclui a culpabilidade. 

- Incompleta: nesse caso a pena pode reduzir de um a dois terços, dependendo do grau de alteração mental. Incide o § 2º do artigo supra. 

3. Embriaguez preordenada: utiliza da substância com a intenção de cometer um crime. A sua pena será agravada, conforme indica o art. 61, II, l, do CP. 

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
II - ter o agente cometido o crime: 
l) em estado de embriaguez preordenada.

4. Embriaguez patológica: é considerado como doença. São os alcoólatras, viciados em drogas, etc. Será investigado para saber o grau de patologia do agente. Se for um dependente total e a embriaguez for completa se excluirá a imputabilidade e sofrerá medidas de segurança. Se for um semi-dependente pode ter a pena reduzida de um a dois terços. 

Emoção e Paixão
A paixão não exclui a imputabilidade. A emoção também não, mas esta, se preenchido alguns requisitos, terá diminuição de pena. De acordo com Bonfim e Capez (2004, p. 567) os requisitos são:

a) a emoção deve ser violenta;
b) o agente deve estar sob o domínio dessa emoção;
c) a emoção deve ter sido provocada por um ato injusto da vítima;
d) a reação do agente deve ser logo em seguida a essa provocação ( CP, arts. 121, § 1º, e 129, § 4º). Nesse caso a pena será reduzida de 1/6 a 1/3. 

- POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE:
É um outro elemento da culpabilidade. O agente que é consciente da ilicitude de uma conduta e a viola, age com dolo e com a lucidez que o que comete é crime. Entretanto, o agente que no momento da ação ou omissão pensa que o que desempenha é lícito quando na verdade é ilícito incorre no chamado erro de proibição. No erro de proibição, o agente pensa agir plenamente de acordo com o ordenamento global, mas, na verdade, pratica um ilícito, em razão de equivocada compreensão do direito. (BONFIM; CAPEZ, 2004, p. 586). 

A análise da potencial consciência da ilicitude no agente atua dentro do contexto do erro de proibição, examina quais as circunstâncias que o levaram a agir daquela forma, que tipo de realidade social ele está enredado, grau de instrução escolar, capacidade intelectual etc. Por mais que existam fatores que contribuam para o agente incorrer em um erro sobre a ilicitude do fato, o Código Penal estabelece que o desconhecimento da lei é indesculpável. Se há uma possibilidade dele saber que a conduta é ilícita, responderá por aquilo. Contudo, se o erro for inevitável ficará o agente isento de pena, ou seja, exclui-se a potencial consciência da ilicitude e por consequência a culpabilidade, sendo assim, não há crime. Se nas circunstâncias em que se encontrava ele tinha potencial de alcançar a consciência da ilicitude sua pena poderá ser reduzida. Entende-se, portanto, que configura-se o crime.  

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

- EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA: 
Outro elemento da culpabilidade. Para ter a possibilidade de excluir a culpabilidade é necessário a inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, diante das circunstâncias o agente se vê obrigado, intimado, constrangido a se conduzir daquela maneira contrária ao Direito. Só podem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas. (BONFIM; CAPEZ, 2004, p. 591).

Causas de exclusão da exigibilidade de conduta diversa:
A coação moral irresistível e a obediência hierárquica excluem a culpabilidade (a coação física irresistível exclui a tipicidade), pois nessas situações não se pode exigir do sujeito conduta diversa.  

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

A coação é o uso de força física ou de grave ameaça em que se obriga, impõe, força o agente a prática de um delito. 

- Coação moral irresistível: o coator usa de grave ameaça para obrigar o coagido praticar o crime, não lhe deixando outra opção senão o cometimento do delito. O coagido comete o crime, pois era inevitável agir de outra forma diante das circunstâncias em que se encontrava. Não se podia exigir dele conduta diversa, então há aqui a exclusão da culpabilidade. É punido o autor da coação. 

Existindo a possibilidade do sujeito resistir a coação, mas prefere não renunciar a conduta e opta por cometer o delito, responderá e será punido, porém será aplicada a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, c, primeira parte do CP: 

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: 
III - ter o agente: 
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir [...]

- Coação física irresistível: é o emprego de força física no coagido que lhe torna um instrumento nas mãos do coator através do qual haverá a produção de um evento delituoso.  A coação física irresistível impede ou submete o sujeito a praticar um delito. Um exemplo de submissão é quando o coator põe a arma na mão do coagido e aperta o gatilho, ocorrendo assim um homicídio. Exemplo de impedimento por força física é o terrorista que amarra o controlador da torre de controle impossibilitando ele de executar sua função de organizar o espaço aéreo e assim há o choque entre dois aviões. 

No caso de coação física irresistível se exclui a tipicidade e não a culpabilidade, pois há interferência na conduta do sujeito, ele fica impossibilitado de fazer algo ou se torna um mero instrumento de uso nas mãos do coator. 

- Obediência hierárquica: a segunda parte do art. 22 trata desse aspecto: "em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico". 


Ocorre nas relações entre funcionários do poder público e há legalmente uma hierarquia entre eles. Para que ocorra a exclusão da culpabilidade há critérios descritos no art. 22: 

a) o agente tem que praticar a conduta em estrita obediência a ordem hierárquica, sem excessos.
b) a ordem tem que ser não manifestamente ilegal, ou seja, a ordem tem que ser óbvia, clara, nítida que não é ilegal, e sendo assim, ele é obrigado a cumpri-la. 
c) a ordem deve vir de um superior hierárquico, vinda de autoridade pública.

Se a ordem for claramente ilegal e o subordinado não questiona e a cumpre, ele tem de responder pelo fato juntamente com o seu superior. Se o subordinado incorre em um erro de proibição e presume que a ordem é legítima quando não é, incidirá o art. 21 do CP que dispõe sobre erro de proibição. 


Referências Bibliográficas:

BONFIM, Edilson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva. 2004

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2015.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 22. ed. rev. e atual. por Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2005

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