4 de nov. de 2016

D. Penal: Estupro de Vulnerável (art. 217-A)

Estupro de Vulnerável

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º (Vetado)

§ 3º  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: 

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4º  Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Considerações iniciais

O estupro de vulnerável é o primeiro delito previsto no Capítulo II do Título VI do Código Penal, capítulo este que disciplina sobre os crimes sexuais contra vulnerável. Tutela-se a liberdade sexual dos menores de 14 anos e daquelas pessoas consideradas vulneráveis nos termos do Código Penal, conferindo maior rigor ao preceito constitucional que diz que 'a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente' (art. 227, § 4º). 

Um dos propósitos da lei 12.015/2009, foi criar uma maior repressão às crescentes violações sexuais contra crianças e adolescentes. Anteriormente à referida lei, não havia um tipo penal específico tratando sobre vulneráveis, mas aquele que praticava atos previstos no art. 217-A, inseria-se no crime de estupro (art. 213) ou no crime de atentado violento ao pudor (art. 214), de acordo com a conduta então praticada. 

O advento da lei supracitada incluiu novas figuras típicas específicas sobre vulneráveis, e revogou disposições anteriores. Todos os delitos previstos no Capítulo II do Título VI do Código Penal foram inovações trazidas pela referida lei. São eles: 

a) art. 217-A - Estupro de vulnerável

b) art. 218 - Corrupção de menores

c) art. 218-A - Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

d) art. 218-B - Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável 

Vulnerável significa descoberto, desprotegido, indefeso, suscetível, desarmado, exposto, derrotável, pela fragilidade que possui. Todas as vítimas dos crimes aqui citados, são considerados pelo Código Penal como sendo vulneráveis, sendo que a vulnerabilidade é de acordo com o sentido e fins de cada delito. 

Vulnerabilidade nos termos do art. 217-A 

Vulneráveis para o art. 217-A são os menores de 14 anos e aqueles que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência à prática sexual. 

Menor de 14 anos

Presume-se violência absoluta em condutas sexuais praticadas com menor de 14 anos e o seu consentimento em nada reflete ao sistema jurídico penal, ou seja, é irrelevante o consentimento da vítima, ou mesmo se já possua experiências em relação ao sexo, e ainda que esteja se prostituindo, o crime restará configurado quando o agente mantém conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos. 

Contudo, a vulnerabilidade é apenas relativizada quando há de se considerar as dúvidas quanto as aparências em relação a certos menores, pois apesar de ainda serem menor de 14 anos, aparentam mais que a idade real, levando o agente a incorrer em erro de tipo. Nesses casos, como ensina Nucci (2016), em caso de erro invencível, afasta-se o dolo e a conduta torna-se atípica, por não ser admitida a modalidade culposa. Ou seja, o crime de estupro de vulnerável apenas admite sua configuração se cometido de forma dolosa, não sendo previsto a forma da culpa. O erro de tipo exclui o dolo da conduta do agente, e como no delito do art. 217-A não admite a culpa, conclui-se pela atipicidade da conduta. O dolo e a culpa fazem parte da conduta (teoria finalista da ação), sem a presença de ambos não há conduta, sem conduta não há fato típico, sem fato típico não há crime. 

Enfermos e deficientes mentais

Aqui, não é só a presença da enfermidade ou deficiência mental que tornará a pessoa vulnerável, mas em que extensão isso torna o sujeito incapaz de discernir sobre o ato em que está inserido. Da mesma forma que o Código Penal isenta de pena os inimputáveis, nos termos do art. 26, protege também aquelas pessoas que se encontram em estado de inimputabilidade de serem vítimas de delitos sexuais. Assim, se o ofendido é, ao tempo do ato, inteiramente incapaz de entender o caráter do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, é considerado vulnerável. Compreende-se, portanto, que não é só a enfermidade ou deficiência permanente que caracterizará a vulnerabilidade, mas também algum processo doentio temporário que faz com que a pessoa apresente um tipo de distúrbio ou perturbação que a torne incapaz de discernir sobre a prática do ato.

Sobre essas pessoas vulneráveis, Mirabete esclarece, contudo, que tal condição "deve ser aferida no caso concreto, impondo-se, portanto, não somente a constatação da existência da enfermidade ou deficiência mental, mas também a aferição de discernimento em relação às questões sexuais em geral e em particular, diante das especificidades do ato sexual praticado" (2015, p. 1559). 

Pessoas que, por qualquer causa, não podem oferecer resistência

Excluem-se, aqui, os menores de 14 anos e os enfermos e doentes mentais. A incapacidade de oferecer resistência, a fim de que se configure o crime de estupro de vulnerável, deve ser completa, integral, pois se a vítima oferece alguma condição de se opor, de entender, de dissentir etc., outro delito pode ser configurado, que não o do art. 217-A. A incapacidade de resistência pode decorrer de diversos aspectos, como estado de embriaguez completa, sono profundo, intoxicação por drogas, estado de hipnose, imobilização da vítima, entre outros. Mirabete cita também como exemplos a vítima em coma, desmaiada, sob a ação de anestésicos, tetraplegia ou hemiplegia, encontrada gravemente ferida em acidente ou encontrada amarrada e amordaçada por ser vítima de sequestro etc. (2015). 

Sujeitos ativo e passivo

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. o sujeito passivo é a pessoa vulnerável. 

Tipo subjetivo

É o dolo, a vontade de praticar conjunção carnal ou ato libidinoso com pessoa vulnerável. Mirabete leciona que "a dúvida do agente quanto à idade ou à enfermidade da vítima é abrangida pelo dolo eventual" (2015, p. 1566). 

Para Nucci (2016, p. 161) e Prado (2010, p. 625), a norma penal exige o elemento subjetivo específico, consistente em buscar a satisfação da lascívia. Mirabete (2015, p. 1566) entende o oposto, argumentando que "não se exige o elemento subjetivo do injusto consistente na finalidade de satisfazer a lascívia, configurando-se o crime quando a motivação ou o fim último é outro". 

Consumação e tentativa 

O delito está consumado com a conjunção carnal ou prática de outro ato libidinoso. É possível a tentativa, que se dá quando o agente direciona sua conduta para a execução do delito, mas é impedido por circunstâncias alheias à sua vontade. 

Formas qualificadas 

A violência ou a grave ameaça fazem parte do delito de estupro de vulnerável e este se torna qualificado caso resulte em lesão corporal grave ou morte. Para o Código, em tal crime, a própria conduta do agente é presumidamente violenta. Sendo assim, a violência física ou grave ameaça, se empregada, já faz parte da conduta que configura tal delito. Neste sentido, observa-se que o Código prescreve nos §§ 3º e 4º do art. 217-A que se da conduta resulta lesão corporal grave ou morte o delito torna-se qualificado, e assim tem cominação penal abstrata modificada. Portanto, a própria conduta de manter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos ou pessoa vulnerável é percebida como violenta. 

Nos termos da lei, qualifica-se o delito se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou morte (art. 217-A, §§ 3º e 4º). Os parágrafos dizem que para o delito ser qualificado, o resultado qualificador tem de decorrer da conduta do agente no processo de ter conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Significa que a lesão corporal grave ou a morte, para ser configurado crime único, tem de advir da culpa, como um autêntico crime preterdoloso. Assim, se o agente além de estuprar o vulnerável, tem a intenção de lhe causar lesões corporais ou a morte, responde por concurso material de crimes. Luis Regis Prado (2010, p. 626), entende dessa maneira. Já Julio Fabbrini Mirabete compreende que de acordo com as penas cominadas para as qualificadoras, o Código Penal inclui, para reconhecimento do resultado qualificador, tanto o dolo quanto a culpa, justificando que "a diferença existente entre as penas mínimas e máximas cominadas para os resultados lesivos (10 a 20 anos para a lesão grave e 12 a 30 anos para o evento morte) é de fato excessiva para a punição exclusivamente por culpa" (2015, p. 1569). 

Aumento de pena

A pena é majorada de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas (art. 226, I) e de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela. 

A pena será aumentada de metade, se do crime resultar gravidez (art. 234-A, III), e de um sexto até a metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador (art. 234-A, IV). 

Crime hediondo

A lei 12.015/2009 traz o crime de estupro de vulnerável para o rol dos crimes hediondos (art. 1º, VI, lei 8.072/90). 

Ação penal

A ação penal é sempre pública incondicionada, em razão da vítima ser menor de 14 anos ou pessoa vulnerável (art. 225, parágrafo único). 


Referências
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 16. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. v. 2. 8. ed. rev., amp. e atual. Maringá: Revista dos Tribunais, 2010.

2 comentários:

  1. Olá, Dr., bom dia. Dr., eu tenho acompanhado os seus Materiais e, pois, pra mim, sem dúvida, é de grande valia, ou seja, é um Material excelente - eu sou Antônio Gonçalves - de Belém do Pará, mas se quiser entrar em contato comigo, o meu ZAP (91) 98081-8088.

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    1. Olá, Antônio! Muito obrigado! Adiciono sim. Bons estudos

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