24 de ago. de 2016

D. Civil: Posse e sua Clasificação

POSSE

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
O Código Civil não traz o conceito de posse, mas traz o de possuidor. Posse seria uma situação de fato em que há a representação de algum dos poderes do proprietário.  

Posse e propriedade não se confundem, pois quem tem posse de algo nem sempre tem a propriedade daquilo. O sujeito que aluga um carro de uma locadora tem a posse sobre o automóvel, contudo não tem a propriedade, e, portanto, muitos dos efeitos jurídicos de propriedade não lhe alcançam. A locação do carro é uma situação de fato que atribui ao locador exercer algum dos poderes inerentes à propriedade, mas não todos. Então, na posse, há a representação de algum dos poderes do proprietário. 

O proprietário possui o direito real sobre a coisa, por ser o titular ele possui o poder direto, sem dependência de terceiros. É um estado de direito. A posse é um estado de fato - protegido pelo direito (pode gerar efeitos jurídicos) -, uma situação que permite ao possuidor poder à propriedade, porém numa falsa sensação de propriedade, pois encontrará barreiras legais na disposição daquele bem. Sendo assim, posse não é direito real, contudo, pode se tornar

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

O poder de propriedade permite o direito de: 

- usar: o titular tem o direito de servir-se da coisa. 

- fruir (gozar, desfrutar): o titular tem o direito de tirar frutos da coisa, tem o sentido econômico. Fruto natural: frutos orgânicos (frutas, leite das vacas, cria dos animais); fruto industrial: o homem interfere e produz; fruto civil: rendimentos gerados pelo bem (aluguéis).

- dispor: é qualquer interferência que o proprietário pode fazer no bem. Disposição material: interferir substancialmente no bem; disposição jurídica: alienar, alugar, arrendar o bem. 

Teorias sobre a posse

Obs.: "Animus é a intenção de ter a coisa para si. (...) Corpus não é a coisa em si, mas o poder físico da pessoa sobre a coisa" Pereira (2006, p. 18).

- Teoria subjetiva: sustentada por Savigny. "Para Savigny, adquire-se a posse quando ao elemento material (corpus = poder físico sobre a coisa) se adita ao elemento intelectual (animus = intenção de tê-la como sua). (...) Para Savigny, portanto, não constituem relações possessórias aquelas em que a pessoa tem a coisa em seu poder, ainda que juridicamente fundada (como na locação, no comodato, no penhor etc.), por lhe faltar a intenção de tê-la como dono (animus domini), o que dificulta a defesa da situação jurídica" Pereira (2006, p. 18). 

- Teoria objetiva: sustentada por Von Jhering. "Para se caracterizar a posse, basta atentar no procedimento externo, independentemente de uma pesquisa de intenção. (...) A dispensa da intenção de dono na sua configuração permite caracterizar como relação possessória o estado de fato do locatário em relação a coisa locada, do depositário em relação à coisa depositada etc. E isto não é mera abstração. Verdadeiramente dotado de efeitos práticos, permitirá a qualquer deles defender-se por vias das ações possessórias ou interditos, não apenas contra terceiros que tragam turbação, mas até mesmo contra o proprietário da coisa, que eventualmente moleste aquele que tenha a utilização dela" Pereira (2006, p. 18). Esta foi a teoria dotada pelo Código Civil Brasileiro. 

Posse direta, indireta, paralela

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
Direta (aquele que recebe): é aquela em que a pessoa detém a coisa diretamente em seu poder, sem obstáculos, com contato físico. Exemplo é o locatário. 

Indireta (aquele que transfere): possuidor que cede o uso da coisa a outro, entrega a coisa para que outro use, sendo assim, na posse indireta o possuidor não tem contato físico com a coisa. Exemplo é o locador. 

Aquele que aluga uma casa (proprietário que, mediante contrato - direito pessoal - entrega para outro morar) tem a posse indireta. O locatário tem a posse direta. 

O locatário, que é usufrutuário, e tem a posse direta, pode alugar a terceiro, e assim se tornará um possuidor indireto. Nesse caso houve um desdobramento da posse, denominado de posse paralela (recebe daquele que recebeu)

A posse direta e indireta, portanto, coexistem, uma não anula a outra. Ambas coexistem tanto em direito real quanto em direito pessoal. Verificando o caput do art. 1.197, entende-se que o possuidor direto (locatário) não pode reclamar a sua posse anulando a posse do possuidor indireto (proprietário). E o possuidor indireto não pode prejudicar a posse do possuidor direto. Cada qual pode defender sua própria posse como direito seu, através de meios legais. 

Posse nova e posse velha
Posse nova: aquela que tem até 1 ano e 1 dia. Tem direito ao pedido liminar, por ex..

Posse velha: aquela que ultrapassa 1 ano e 1 dia. 

Posse é diferente de detenção 

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
A detenção não atribui ao detentor qualquer direito sobre o bem. É um estado de fato em que há a conservação da posse em nome de outro e sob as ordens e instruções deste. Na detenção, haverá sempre uma relação de dependência ou subordinação com o proprietário ou possuidor. O outro exerce a posse e o detentor apenas a conserva em seu poder em nome daquele. Inexiste no detentor o animus domini, a intenção de possuir. Sem intenção de posse é mera detenção. O detentor pode usar e gozar do bem, porém amarrado a uma situação de subordinação, e limitado ao poder de dispor da coisa. 

Exemplo de detenção é o caseiro que cuida do imóvel do proprietário; donos de barracas de praia; motoristas. Os detentores não podem ajuizar ações possessórias, não pode demandar ou ser demandado. Pode apenas realizar desforço imediato. 

Detenção
- ha uma relação de subordinação e dependência com o proprietário ou possuidor
- o detentor conserva a posse em nome do outro
- não traz efeitos jurídicos
- não pode demandar nem ser demandado

Posse
- conserva a posse em nome próprio
- gera efeitos jurídicos
- pode demandar e ser demandado 

Posse exclusiva e composse

Composse
Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.
Composse é quando duas ou mais pessoas exercem posse sobre um mesmo bem. Exemplo é quando pessoas adquirem um bem em comum, co-herdeiros antes da partilha, marido e mulher em regime de comunhão de bens, pessoas que moram em um mesmo quarto de pensão etc.

Composse pro diviso: os compossuidores delimitam o bem entre eles. Pessoas dividem o mesmo quarto de pensão, mas cada uma tem o espaço de sua cama separado naquele quarto. Aqui, neste tipo de composse, é possível defender sua posse mediante o outro possuidor. 

Composse pro indiviso: os compossuidores exercem ao mesmo tempo poder por sobre toda a coisa. Exemplo é o casal casado em regime de comunhão de bens, em que suas propriedades não se fragmentam para servir-lhes separadamente. Nesta, não é possível defender a posse mediante o outro possuidor, pois ambos possuem direitos iguais por sobre todo o bem. 

A composse pode ser terminada quando em decisão amigável ou judicial. 

Posse exclusiva: não havendo composse a posse será exclusiva, pois haverá apenas um possuidor. A posse exclusiva não significa que ela não possa ser desdobrada em paralela. 

CLASSIFICAÇÃO DA POSSE

Posse justa e posse injusta
Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

- Justa: não é violenta, clandestina ou precária. 
- Injustaé violenta, clandestina ou precária.

Violenta é "a que se adquire por ato de força, seja ela natural ou física, seja moral ou resultante de ameaças que incutam na vítima sério receio" Pereira (2006, p. 28). 

Clandestina é aquela que não é explícita, aberta, pública. "É a posse que se adquire por via de um processo de ocultamento (clam), em relação àquele contra quem é praticado o apossamento" Pereira (2006, p. 28). 

Precária é aquela em que o sujeito recebe a coisa de forma justa, mas rompe a relação de confiança e não restitui ao proprietário. Posse precária, nas palavras de Pereira, "é a do fâmulo na posse, isto é, daquele que recebe a coisa com a obrigação de restituir, e arroga-se a qualidade de possuidor, abusando da confiança, ou deixando de devolvê-la ao proprietário, ou ao legítimo possuidor" (2006, p. 29). 

Posse de boa-fé ou de má-fé
Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
"Ter-se-á posse de boa-fé se o possuidor estiver convicto de que a coisa, realmente, lhe pertence, ignorando que está prejudicando direito de outra pessoa, por não saber da existência de vício que lhe impede a aquisição da coisa" Diniz (2009, p. 821). 

- Boa-fé: o possuidor é ignorante de vícios ou impedimentos quando da aquisição.
- Má-fé: o possuidor conhece dos vícios, mas ainda assim exerce a posse. "Considera-se de má-fé aquele que possui na consciência da ilegitimidade de seu direito" Pereira (2006, p. 30). 

Posse com justo título
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.
Justo título é o título que permite que a transmissão da coisa se dê sem impedimentos ou vícios. A escritura, devidamente registrada, é um título capaz de transmissão de imóvel, por exemplo. Aquele que possui com justo título presume-se, crê, supõe-se ser de boa-fé. 

Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente.
A boa-fé reverte-se em má-fé a partir do momento que as circunstâncias tornam-se tais que façam pressupor que o possuidor enxerga, compreende, sabe que aquela posse possui vício. "Apesar de variáveis as circunstâncias que levam a presumir a má-fé do possuidor, a doutrina tem apontado algumas, tais como: a) existência de usufruto sobre o imóvel possuído; b) nulidade manifesta do título; c) fato de ter o possuidor, em seu poder, instrumento contrário à legitimidade de sua posse, como a venda de pai a filho sem anuência dos demais filhos, compra pelo testamento de bens da testamentária etc." Diniz (2009, p. 822).

Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.
A qualidade da posse mantém-se da forma que começou. Se a posse surgiu de maneira violenta, ou de boa-fé, assim permanecerá. Contudo, se houver prova em sentido contrário, muda-se o caráter aquisitivo. "Por exemplo, se uma pessoa, que tem posse injusta do bem, obtendo-o por violência, vier a adquiri-lo em razão de compra e venda, o caráter de sua posse mudará mediante a apresentação da alienação" Diniz (2009, p. 823).

Referências: 
DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol IV. 19. ed. rev. e atual. por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário